domingo, 6 de janeiro de 2008

Lugar de sueños



Miss Kitchen trabalhando e tomando mate


Imaginem um lago de água azul-turquesa. De frente pro lago, um vale. De cada lado do vale, uma montanha, com neve no topo. Entre o vale e as montanhas, um bosque. No vale, um imenso gramado com pequenos riachos, onde algumas aves ficam ciscando o dia inteiro e coelhos selvagens passam apressados aos pulos. Espalhadas no vale, construções no típico padrão patagônico: madeira, vidro e pedra, com decoração simples e aconchegante. Assim é Peuma-Hue, que em mapuche, dialeto dos indios locais, significa "lugar de sonhos" ou "lugar de ilusões". É uma fazenda à beira do Lago Gutierrez, a 25 quilómetros do centro de Bariloche.



La estancia vista de arriba


Aqui você se hospeda, come, anda a cavalo, faz trekking, kayak, pesca de truta (fly-fishing), e não precisa nem pegar carro para aproveitar tudo que a Patagonia Norte oferece. Além disso, você pode ter experiências antropológicas interessantes, como a que eu tive no meu primeiro jantar, ouvindo a conversa de um grupo de profissionais liberais ingleses de meia-idade trocando suas impressões sobre a América Latina. Até descobrir que eu era argentina e minha amiga brasileira, foi um desfile de clichês que deixaram a gente meio constrangida, sem saber o que dizer. Ainda por cima ficamos meio excluidas da conversa. Por isso mesmo a gente não falava nada e eles continuavam animados como se não existissemos. Uma hora não conseguimos evitar a vingança infantil de falar barbaridades sobre eles em português. Mas depois nossa boa educação nos fez reconsiderar nossos próprios preconceitos e tentar comunicação. Alguns jantares e garrafas de vinho depois, as conversas ficaram mais interessantes, as pessoas mais soltas, começou a ficar divertido dividir a mesa com essa fauna tão diferente.

Sim, este é um lugar exclusivo, que cobra um valor relativamente alto pelos serviços, mas certamete oferece tudo que promete. É um pouco pensado para atender o turismo estrangeiro, principalmente europeu, que vem pra cá fugindo do frio do hemisfério norte e aproveitando o câmbio mais do que favorável. Faz parte da rede "Rusticae", uma espécie de "roteiro de charme" argentino que combina um atendimento de primeira com instalações que tem uma pegada rústica, despretensiosa. Eles tem uma chef que só de olhar a cara dela dá pra ver que cozinha bem. O jantar é servido sempre à francesa, com um menu de três passos, troca de pratos, taças de cristal e moças educadas bilingues dispostas a providenciar o que quer que você necessite para ser feliz, ou quase. Eu preferiria algo mais informal, mais à vontade, mas fazer o quê? O que importa é que a comida é boa.


Apertivos patagônicos: queijos defumados, grãos, salame, presunto de javali, empanadinhas de queijo com gergelim, vinho branco Chardonay Terrazas (Mendoza)


Antes de jantar sempre tem um momento belisquetes, num estilo bem troglodita, com salame, truta defumada, queijos defumados, azeitonas. Aliás, aqui quase tudo é defumado, não sei por que. Se você se distrair, defumam você e servem de aperitivo. Eu gosto das coisas defumadas mas acho que depois de um tempinho ficam um pouco enjoativas. Bom, em seguida vem a moça até os sofás com vista panorâmica e anuncia: "dinner is ready". Então vamos até a mesa e começa o banquete. Na primeira noite teve souflee de beterraba, cenoura e espinafre, seguido de frango à mostarda com batata assada e sorvete de frutas do bosque com ... frutas do bosque de sobremesa.

Na segunda noite, novamente o aperitivo e depois lascas de beringela assada como entrada (estava com tanta fome que esqueci de fotografar), e como prato principal um risoto ao vinho rosê.





A sobremesa foi um creme indefinível com framboesas. Tudo muito bom! Eles realmente conseguem ter um rigor gourmet na apresentação, mas com muito sabor. Tudo muito bem feito, e em quantidades generosas. E tudo regado a ótimos vinhos. É dificil não terminar a noitada um pouco alegre. Ah! A festa sempre acaba com chá e chocolatinhos artesanais, novamente no sofá panorâmico. Aliás, só no fim da comilança fica realmente escuro, já que a noite só cai depois das 23h.


Esta noite o jantar consistia num churrasco. Ainda bem que a inglesa nutricionista natureba que mora em Nú Iôk com seu marido o fashion fotographer foi embora, pois iria ficar horrorizada. Em compensação chegou a dupla de carnivoros americanos de Boston, pai e filho (este idêntico ao chef pop Jamie Oliver e o pai igual ao Prince Charles), que são simpáticos e anti-Bush. Isso somado ao casal em lua de mel, formado por uma inglesa que diz não gostar de comida (mesmo assim come e bebe muito) e seu marido italo-inglês banqueiro. Para completar a turma, mais um casal improvável de irlandeses, muito engraçados. Ela parece a Morticia Adams e fala tão rápido e com uma dicção tão indescifrável que mal posso entender uma palavra, mas tento sempre rir quando ela termina as frases. O marido é o palhaço da turma, sempre fazendo gestos e contando anedotas que também não entendo direito. Todos, menos o italiano, tem dentes tortos.


É em companhia destas pessoas que tenho apreciado os jantares oferecidos por Peuma-Hue. Já durante o longo dia, faço passeios, caminhadas, banhos no lago, cavalgadas e esse tipo de coisas. A fazenda tem uma horse-whisperer, ou encantadora de cavalos, uma mulher jovem que entende tudo sobre estes bichos e acho que por conta disso entende muito sobre humanos também. Foi ótimo cavalgar dentro do lago, por entre as árvores e perto de cachoeiras com a segurança de tê-la por perto, totalmente no controle. Morro de medo de cavalos, a verdade seja dita.


A encantadora de cavalos fazendo seu trabalho (encantar cavalos)



E por enquanto é isso, agora estou no café da manhã, que consiste em iogurte, granolas, frutas, torrada de pão integral caseiro, ovo mexido (ou estrelado), geléias de frutas vermelhas, chá ou café, torta de maça, empanadas fritas doces. Por isso tenho pulado o almoço.

Ainda tenho mais 4 dias neste lugar e faz bastante calor, é um verão glorioso, como dizem os locais. O lago, que costuma ter temperaturas por volta de 6 graus está a inéditos 12 graus, permitindo banhos e dias de praia. Mas o sol é mais forte aqui do que na Bahia.






8 comentários:

Unknown disse...

Degustei o texto!!!
Resolução de Ano Novo: poupar para fazer uma boa viagem.

Bons ventos te soprem!
Besos

anna disse...

Não tem um lugar feio aí?

Natalia Mallo disse...

tem sim! é uma espécie de projeto de favela na perfiferia da cidade de bariloche, ocupado por bolivianos que são mão de obra barata pro turismo. o bairro se chama "nuestras malvinas"...

Ana Dupas disse...

pulou o almoço? que pecado! já ía perguntar o que tinha, estava com água na boca..
e as trutas que você pescou, você comeu?
seus textos me inspiraram as releituras de Izabel Allende e voltei a cozinhar pratos afrodisíacos! Não pergunte pro Pedro, porque o último fiz só pra mim... hehehe

Natalia Mallo disse...

mmm... olha truta não pesquei, porque além de caro, o fly fishing é um esporte que gera muita frustração! As trutas são danadas!

pratos afrodisiacos? quais? convida!

Ana Dupas disse...

Eu me convidei primeiro!!!

Natalia Mallo disse...

mmm... então vamos fazer assim, quando eu chegar te convido pra um jantar argentino e na sequência você me convida para um jantar afrodisíaco... pode ser?

Ana Dupas disse...

sim! afrodisíaco e tipicamente chileno...