quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Recicla

Eu não gosto muito de repetir refeições, só aquelas que faço propositalmente para comer durante vários dias (sopa, puchero, cozido). Por causa dessa minha tendência ao tédio, acabo considerando o acerto na quantidade tão importante quanto a qualidade do prato. Sem neura, mas fico muito feliz em fazer a medida justa. Esta medida significa pra mim um pouco a mais do que o recomendado pela medicina (ocidental e oriental), ou seja, ficar todo mundo bem satisfeito e recorrer a sacrifícios (quase sempre masculinos) para dar conta daquele "a mais".

Por esse motivo, quando algo sobra, recorro também à reciclagem. Por exemplo. Aquele feijão azuki cozido, feito para comer com arroz dentro de um prato de almoço, no dia seguinte se transforma em salada. Como? Passo os grãozinhos no escorredor de macarrão e lavo com bastante água, para tirar o caldinho. Deixo escorrer até ficar sequinho e vou misturando com ingredientes que lembram um tabule, no qual o azuki faz as vezes do trigo. Salsinha, pepino, cebola, tomate, tudo cortado bem pequeno e temperado com limão, azeite e sal. Ou então a sobra de um salmão assado, pode ser comida fria, levemente amassadinho, temperado com limão, shoyu e gengibre, como se fosse um otoshi (aquelas entradinhas japonesas).

Neste caso, a sobra de massa folhada de uma deliciosa torta de alho porró se transformou em mini (ou devo dizer micro) mini croissant de queijo, nas opções emmenthal, cabra holandês ou parmesão argentino.



Ficou muito bom e da próxima vez vou fazer com pedacinhos de chocolate meio-amargo.




sexta-feira, 22 de julho de 2011

Velhos conhecidos e novas aventuras

Toda vez que chega o inverno eu entro na febre dos cozidos e guisos. Tudo bem que o inverno por aqui, se comparado com o hemisfério norte ou mesmo com a Argentina, é uma piada, mas tenho feito quase semanalmente um cozido de favas com legumes e músculo, ou mesmo o clássico puchero, tão presente na minha infância. Eles me aquecem, me nutrem, me dão conforto e, feitos em grandes quatidades, resolvem o jantar das noites frias por até três dias.

Os cozidos não tem segredo algum. Deixo os feijões de molho na véspera. De manhã, enquanto tomo café da manhã ponho o músculo para selar numa panela grossa e alta (para não haver derramamentos de óleo). É importante que a panela esteja bem quente e que você não mexa na carne, para que ela forme casquinha. Tem gente que não gosta desses aromas trogloditas logo cedo, eu não me importo, além de gostar de fazer a cozinha entrar em atividade junto com os meus neurônios. Voltando ao cozido ou guiso, uma vez a carne selada, faço um deglacè, que, apesar do nome sofisticado, é básicamente diluir os grudadinhos da carne com alguma bebida alcoólica. Além de dar um sabor, ajuda a lavar a panela. Da última vez usei um pequeno jato de cachaça mineira Providência. Neste momento transfiro a carne e seus sucos cachacentos para a panelona de barro, previamente aquecida.

Bom, fora isso, tudo que eu tiver na geladeira vai parar lá dentro, cortado em cubos pequenos ou rodelas: batata, batata doce, cenoura, salsão, cebola e por ai vai. Acrescenta o feijão, cobre com água, sal, pimenta, louro, se quiser páprika doce, alguma erva, qualquer coisa vale. Tampa, põe no mínimo do mínimo e esquece. O último que fiz esqueci por umas duas horas e meia. Ficou maravilhoso.



Puchero


Já o puchero tem lá suas especificidades. Por exemplo, se deseja que os legumes fiquem inteiros e íntegros, portanto devem ser colocados na panela numa certa ordem (do mais duro ao mais mole). Além disso precisa de elementos que caracterizem seu sabor: milho, abóbora e salsão são essenciais. Também pode ir feijão branco ou grão de bico. Na minha infância era indispensável a presença do caracú (tutano), que retiravamos com um sopro de dentro do ossinho e comiamos com mostarda. Outras carnes são bem vindas, inclusive de porco, mas eu não uso. Também pode colocar folhas inteiras de repolho branco. No puchero da foto tem couve, e também influenciado pelo cozido português, banana da terra.

O método de servir consiste em pescar cuidadosamente os legumes e comê-los no prato com bastante azeite (ou manteiga). O caldo é tomado à parte, antes ou depois, ou utilizado como base para outras coisas boas. Nesse sentido difere bastante do guiso, de aparência mais ensopada e elementos pequenos, que pode ser comido com colher.

...

Os doces nunca foram meu forte. Deve ser porque não como muito doce, sou mais do rango. Quase sempre minha fome é salgada. Mas tenho minhas sobremesas amadas. Entre elas: Isla Flotante (pudim de claras), pudim de pão, tiramissu e o clássico pudim de pão ou flan casero. Este último virou uma espécie de peça de degustação. Não gosto quando é massudo e de consistência maizenosa. Gosto dele desmaiado, mole, com furos e não muito doce. Também não me agradam os aditivos, tipo as quantidades absurdas de doce de leite que eles colocam na Argentina. Pra mim tem que ser fresquinho e puro, sem mais nada (talvez só um café expresso carioca e a conta).

Decidi quebrar meu estigma e me aventurar. Descobri que é MUITO fácil. Olha só: pega 6 ovos e duas gemas, 200g de açúcar, uma colherinha de extrato de baunilha e mistura delicadamente (sem mexer muito, nada de bater). Acrescenta 750ml de leite frio. Reserva. Coloca a forma de pudim numa boca do fogão, com açúcar no fundo (fã do olhômetro, fiz uma camada fina no fundo). Um pouco de água cobrindo o açúcar e espera evaporar e dourar. Não pode ficar muito escuro porque amarga. Deixa a forma esfriar e despeja a mistura (passando por um coador fininho para tirar impurezas, galadura dos ovos caipiras, etc). Pronto! É só assar no forno baixo em banho maria. Está pronto quando a parte de cima ficou dourada e durinha.






Pudim furadinho


Cuidado ao desenformar! É nessa hora que todo o trabalho pode ir por água abaixo.
Tem que esperar esfriar completamente. Passar uma faquinha em volta das bordas e do centro, virar num prato de uma vez e depois dar umas leves sacudidelas até que ele faz plop. Geladeira e nham!



Miss Kitchen, no inverno barrigudo de 2011

domingo, 22 de maio de 2011

Cuidado


Suco da mamãe


O corpo sabe o que quer, mas às vezes quer aquilo que é o hábito, ou aquilo que dizem que ele deve querer. Por exemplo, durante muito tempo meu corpo achava que queria uma média e um pão na chapa para abrir os trabalhos. Nada contra, sem moralismo: uma média quentinha com aquela espuma de leite, feita com um bom café e um pão francês fresco, bom, prensadinho sem queimar, adoro. Mas é isso que o meu corpo quer quando acorda? E o que eu sentia depois? Um certo peso, bastante sede, e nada de fome por horas.

Nunca fui trash, mas vivia esses equívocos ou automatismos. Correr pra padaria toda manhã (a Leticia ao lado não ajudava). Como me disseram uma vez, assim eu delegava o cuidado sistematicamente, um cuidado que deveria começar em casa, partindo de mim. E a um preço alto. Uma padaria vez ou outra, com um jornal do dia é muito bom, mas todo dia? Já fez as contas?

A gravidez exagerou em mim a vontade que eu já tinha de me cuidar. Hoje abro os trabalhos com um suco feito de beterraba, cenoura, couve, escarola, salsão, maça ou pêra. É muito gostoso, mesmo. E quando eu tomo sinto as células do corpo agradecendo, sinto uma vitalidade, uma leveza, uma prontidão pro que quer que seja. E só meia hora depois é que como algo sólido. Poderia até ser uma média e um pão na chapa. Mas é qualquer suporte sem glútem (bolacha de arroz, pão de mandioca) com um queijinho de cabra ou abacate, ovinho mexido, uma fruta. Leveza, e fome daqui a pouco.



Almocinho


Não vou fazer aqui um manifesto natureba eco chato. Mas substituir tudo que você come por orgânicos não é tão difícil nem caro como se pensa. Aliás, esse discurso de "ah, mas é muito mais caro" é totalmente falho. Existem vários fornecedores que entregam verduras orgânicas em casa e se você comparar, é o preço que pagaria no supermercado pelos tradicionais envenenados. Fruta é mais complicado, mas toda a salada e os leguminhos de cada dia podem ser da melhor qualidade, e a diferença se vê no prato e no sabor.

E assim tenho passado, comendo exclusivamente em casa e transformando cada refeição num acontecimento cheio de alegria. No prato acima, arroz integral, tabule de quinua colorida, shiitake grelhado e nabo ralado. Muito simples, muito sabor. Às noites, canja de galinha, sopa de legumes, repetecos e afins.

Sim, de vez em quando a saudade, de uma pizza, um bom hamburguer, mesmo uma média e um pão na chapa, tudo isso será bem vindo e consumido como uma iguaria excepcional, com bons ingredientes, bem feito e sem culpa. A exceção, não mais a regra. Em pouco tempo esse cuidado mehora a nossa vida. Instantaneamente, diria.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Déjà Vu

Aposto que isso não acontece só comigo. Toda vez que viajo, especialmente em outros países, encontro clones dos meus amigos por ai. É como se os padrões da natureza tivessem um número limitado de combinações e se repetissem. Bom, sei que isso acontece mesmo, basta olhar para orquídeas e mexilhões. Mas não se limita às fisionomias, é também um jeito de andar, um corte de cabelo, uma calça, o tom de uma risada. Na minha última viagem para NY vi vários amigos por ai: a Tata andando de costas com seu violão, o Dudu numa palestra com sua calça roxa, a Janice no aeroporto esperando um voo atrasado concentradíssima no seu lap-top e a Cecilia fazendo compras na Quinta Avenida. Mas o cúmulo mesmo foi há muitos anos em Bariloche, quando vi eu mesma, passando num taxi, com meu cachecol azul e um certo ar melancólico.

Nessa mesma viagem recente, outro déjà vu, o clone de um sabor. Foi na Katz Deli, uma lanchonete judaica bem tradicional (existe desde 1888!) que fica no East Village. Fui parar lá com a ajuda do meu guia Gallimard (Publifolha), que amo, porque me leva a ótimos restaurantes a bom preço, e ainda separados por bairro. Assim fui ao ótimo (um pouco pesado) indiano Pongal e ao incrível Joe' Shangai em China Town, numa noite tenebrosa de frio em que tudo parecia fechado e enormes pilhas de lixo se acumulavam nas ruas, quase tirando minha fome. Também teve os maravilhosos omeletes da Sarabeth (numa viagem anterior) e a excelente tratoria Max Soha perto da Columbia University (inesquecível fusilli caseiro com ragu de cogumelos ao vinho Brunello, prato que infelizmente não pedi mas belisquei graças à generosidade alheia).



Latkes, cream soda, pickles, hot dog, sanduíche de bastrame, batata frita e knishes.


Mas voltando à Katz Deli. Pedi sopa de matzo balls e knishe (uma bola de purê de batata doce, muito boa). Meus amigos comeram hot-dog (ótimo, com repolho agridoce e pão torradinho), latkes de batata com sour cream e molho de maçã e sanduíche de pastrami caseiro (o clássico da casa, obsceno na quantidade de carne), e todos dividimos ótimas batatas fritas de formato grosseiro. Mas foi ao morder o sanduíche de pastrami que tive o déjà vu. Não foi aquela sensação de comer algo conhecido, mas um sabor que me remeteu a uma lembrança remota, inalcançável e que talvez pertencesse a outra pessoa ou a outro tempo. De fato, o sanduíche estava muito bom. Pão de centeio, muito macio e leve, e a carne, longe de parecer um embutido, desmanchava e tinha um tempero especial, de bordas escuras. Fiquei o resto do dia tentando localizar essa lembrança sem sucesso, até escovar os dentes e esquecer.



Sarmiento y Uriburu.


Então lembrei, no tédio do avião voltando pra casa. Foi em 1985, na Calle Sarmiento em Buenos Aires. Eu morava do lado da escola (porta com porta) e em frente ao clube Hebraica, que todos os meus amigos frequentavam e eu também passei a frequentar, mas de penetra. Um belo dia me fingi de sócia e entrei, ninguém me barrou. E assim fui usando o clube durante um ano sem nunca ninguém perceber e sem jamais contar pro meu pai. Fiz aula de informática, nadei na piscina, joguei basquete e fiz travessuras no terraço do ultimo andar de onde se via a janela do meu apartamento. Tinha dez anos, fiz isso pela aventura, na inocência e com a cumplicidade dos meus amigos sócios, hoje não teria coragem. Foi nessa época, na lanchonete ao lado do clube onde comia com meu pai o maravilhoso pletzalej com pastrami e pepino, acompanhado de refrigerante Mirinda sabor laranja. Foi esse sabor, o mesmo, a mesma sensação, o cheiro e a textura. Não mais um déjà vu: uma lembrança esquecida durante 25 anos.


sábado, 19 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Pesto

 Foto: Galeria Experiência


Lembro muito bem da minha mãe picando manjericão com aquela faca grande, pesada, retangular. Lembro do rítmo da faca na tábua. Eu ajudava abrindo nozes. Adorava quebrar nozes, martelar sem dó ou espremer no canto da porta.

Minha mãe me ensinou algumas coisas na cozinha. Primeiro, que não existe não saber cozinhar. E o mais importante, com qualquer coisa se faz uma comida boa. Desde que se tenha amor, pelas pessoas e pela cozinha. Intimidade também. A prova disso era a polenta feita com água e caldo knorr, regada de óleo de milho, e nos dias bons do mês com queijo parmesão. Uma delícia. Um dia só tinha farinha e um tomate. Ela fez um pão de frigideira recheado que comemos com mate no quintal embaixo da parreira.

Voltando ao pesto e a se virar com o que a gente tem. Desta vez, com amigos na serra da mantiqueira, tinha manjericão, mas pouco. Completei com salsinha. Não tinha nozes, usei castanha do pará. Coloquei também na mistura um tomate inteiro (sem casca e sem sementes), parmesão, sal, pimenta, muito azeite. A quantidade de azeite chamou a atenção de todos, - que exagero!. Mas não sobrou uma gota.

E na hora de servir, a frase da minha mãe que neutraliza qualquer falsa modéstia: - Lástima que no sé cocinar! (que pena que eu não sei cozinhar).


MK verão de 2011