quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Natureba pero no mucho


Rio de janeiro. Uma cidade que não entendo e que me dá um pouco de medo. Ou será ela que não me entende? Não sei. Não sei por quê. Não tem a ver com os clichês (que por ser clichês não são menos reais) da violência urbana, mas tem alguma coisa nos cariocas que não me deixa a vontade e que me dá uma pontinha de inveja. Talvez seja o sotaque. A non-chalance dos moleques de chinelo e moletom cheios de charme. Ou a geografia absurdamente bonita que emoldura a cidade.

Eu pensava nisso indo pro meu hotel na Barra, quando, passando pela Rocinha, o taxista me contou que existe na favela um serviço chamado Favela Tour. Os turistas (gringos) entram num jeep aberto e apreciam a miséria, o esgoto exposto, as ONGs e a alegria brasileira. Para terminar o passeio acontece a "encenação" (como distiguir encenação de realidade?) de um embate entre traficantes e policiais, cenas de ação estilo Cidade de Deus, com arma de verdade e tudo. Depois o carro devolve os clientes à Zona Sul de onde eles seguem para o Cristo. Terminou de me contar a historia quando chegamos na Barra. "Isso aqui é o fim do mundo".

Mas lá fui eu tocar num evento no grandioso Buffet Ribalta, na Barra da Tijuca. Um lugar bizarro, gigante, de gosto nada duvidoso: mau gosto mesmo. Uma premiação de padeiros de todo o Brasil. Uma mistura de engravatados, padeiros deslocados fantasiados de mestre cuca, mulheres elegantes, mulheres deselegantes. E eu, cantando fado, tocando jazz, fazendo tudo que não sei fazer. O Ribalta de dia foi um forno, abafado, com cheiro de esgoto. De noite, uma geladeira com cheiro de restaurante por quilo às 4 da tarde.


...


No dia seguinte, hoje, para me recuperar do jantar no evento (salgadinhos folhados oleosos e estranhos sabor bacon na entrada, penne ao molho de maizena requentado de prato principal e vinho ácido para acompanhar) e para fazer hora antes de ir pro aeroporto, fui comer num restaurante natural em Ipanema, perto da Rua Nascimento Silva 107, onde você, Vinicius, ensinava pra Elizete as "Canções do amor demais". O Rio é cheio dessas referências à era dourada da bossa nova. Só que antes de ir pro natureba, folheei um jornal local (adoro jornais locais) e vi uma noticia escabrosa: um famoso restaurante na zona sul, frequentado por Vinicius e atualmente pelo Chico Buarque estava servindo alimentos vencidos. Não tem poesia que salve um salame de 2003...

O dito natureba era o New Natural. Na porta uma placa dizendo "entreposto de produtos esotéricos" ou algo assim, estranhei um pouco, me perguntei se a comida entrava nessa classificação. Mas gostei quando entrei e vi as enormes prateleiras de madeira cheias de produtos interessantes misturadas ao ar medieval da arquitetura, com arcos de tijolo à vista. Me lembrou lugares decadentes de Paris onde a gente come mais ou menos, mas como se está em Paris... Descobri coisas inquietantes, como o Chá Branco, que se intitula "melhor do que o chá verde", pois combate radicais livres, traz disposição, longevidade, emagrece, mil coisas. Fiquei curiosa em saber se ele era branco mesmo. Também soube que o nome científico do Ginseng é Pfaffia Paniculata. Adorei esse nome, lembra empáfia e panificadora, ou o tiro que saiu pela paniculatra... enfim... Muitos produtos, muito interessantes.

Mas quando fui no buffet dar aquela olhada, não acreditei nos meus olhos! Vi muitos itens da culinaria natureba (soja, bardana, arroz cateto, refogado de abobrinha, etc) e numas chapas de ferro.... linguiças! frango à milanesa! anchovas assando ressequidas! Tudo que é proibido. Com exceção, naturebamente, da carne vermelha. Gostei da surpresa e me servi de uma linguicinha, arroz misturado com granola (que boa idéia!), batata doce cozida (que reguei com bastante azeite de oliva, este não muito bom).

E aproveito para abrir parênteses. (
Por quê muitos restaurantes se recusam a investir num bom azeite de oliva?
Não precisa ser chique, libanês, prensado a frio, exótico, aromatizado. Pode ser um Carbonell, Andorinha, Gallo, até uns nacionais bons existem. Qualquer um que tenha cheiro de oliva! Que economia burra! E isto é especialmente importante para os restaurantes naturais, afinal, que graça tem esses legumes todos sem um bom azeite? Hein, Alternativa - Casa do Natural, na Vila Madalena?

Agora vou fechar parênteses. )

Gostei da comida do New Natural. As coisas tinham gosto delas mesmas, por separado, e não o efeito mono-sabor-morno de alguns restaurantes com proposta natural. Além do mais, cruzei com uma das cozinheiras e ela estava impecável, sorrisão de dentes brancos, cara de gosto pelo que faz, bom humor.
E gostei de tudo ser orgânico, e as carnes magras.

RESTAURANTE NEW NATURAL
Rua Barão da Torre, 169 - Ipanema
Tel.: 2287-0301. De seg. a dom., das 8h às 21h.


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Gosto de quem come o que gosta e não faz disso uma bandeira e não se incomoda quando a pessoa ao lado pede um bife ou uma coca-cola. Catequizadores gastronomicos são muito chatos! E essas campanhas dizendo "porcos são amigos, não são comida"? Eu acho que as pessoas que aderem a esse tipo de campanha estão subestimando os vegetais. Alfaces também são nossas amigas! E nossa comida.

Adoro fazer misturas 50% naturebas 50% trogloditas, como arroz integral com ovo caipira, puchero (cozido espanhol de legumes) com ossobuco de vitela, macarronada integral com linguiça e azeite trufado. Não sou fã de fritura. Escolho bons ingredientes. Tenho suficiente conexão com o meu corpo pra entender o que me faz bem e o que me dá trabalho. Mesmo assim às vezes saio da linha. Mas faço isso com consciência e depois volto. Esse é o meu conceito de "saudável". Equilibrio sem neura. Ou pelo menos tento.


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De volta a São Paulo, no trânsito, na paisagem cinza da 23 de maio, senti de novo aquela pontinha de inveja. Aqui não tem alimento pros olhos.

5 comentários:

Lekuanditala disse...

Como é bom viajar!!!
Mesmo sendo pelo relato de amigos!

Que fuzuê em sua apresentação, hein! Não imagino o que foi pior, o macarrão ao molho de maizena ou as mulheres deselegantes!

Aguardo o próximo post!
Bjokas

Anônimo disse...

Sem querer ser chato, mas já sendo (e sem querer parafrasear aquele xarope do Jô, mas já parafraseando), o verbo folhear, na primeira pessoa do pretérito perfeito é escrito "Folheei".

No mais, brilhante como sempre...

Anônimo disse...

Obrigada pela correção!
E não é chato, não, viu?

Anônimo disse...

Concordo contigo em gênero, número, grau e acides em ácido oleico sobre a questão do azeite nos restaurantes. Realmente uma economia burra não oferecer azeites de boa qualidade, não necessariamente caros. Um frasco de meio litro de um bom azeite sai por uns onze reais no varejo da Rua Santa Rosa. E, se o restaurante quiser oferecer escolhas não seria nada mal colocar dois azeites à disposição, ambos não muito caros: um tradicional tipo ibérico, e um tipo siciliano, mais verde e mais amargo. OK, o azeite siciliano é um pouco mais caro, mas só um ou dois reais a mais...

Natalia Mallo disse...

quem é você, com esse nome de grafia oriental e esses comentários perspicazes?