segunda-feira, 30 de junho de 2008

Paris, Amsterdam e o retorno.

Onde está Wally?


Já em São Paulo, e ainda processando a chegada, escrevo sobre os ultimos dias da minha viagem. Escrevo olhando para esses dias (e essas comidas) em perspectiva, e por conta dessa distância, me sentindo mais objetiva.

Estou aos poucos chegando à conclusão de que não gosto de Paris. Não quero soar arrogante, é claro que não é ruim estar lá, certo? Mas vindo de uma variedade de outros lugares, Paris acaba ganhando o primeiro lugar em: pessoas antipáticas, cocô de cachorro e tensão social. A cidade é linda, mas já a vejo como algo cenográfico, de mentira. Cinza, um pouco suja. Vi no metrô pessoas com o olhar muito desencantado. Muitas etnias convivendo, mas não sem um atrito visível e sem solução. Ou serão meus olhos?

Em todo caso, a comida continua excelente. Passei uns dias me dedicando a esperar a hora do almoço (andando no Jardin des Plantes, por exemplo) e ir num lugar pré-escolhido de um excelente guia. Sozinha, com meu livro e meu iPod. O primeiro lugar que escolhi foi La Pré Verre, no Quartier Latin, onde estive há dois anos e comi o mais sensacional leitãozinho com molho de especiarias e acelga crocante. Pois voltei, sentei na mesma mesa e pedi a mesma coisa.





Quando eu penso nesse prato me da água na boca. Me dá vontade de chorar. Me dá vontade de pedir desculpas a Paris por tudo que acabo de dizer. O leitão desmancha ao cortá-lo com o garfo e boia num molho meio leitoso, com sabor de diversas especiarias e um toque suave de canela, sabor de caldo de carne, sabor de creme, sal na medida, muito sabor. Um colchão de acelga japonesa bem crocante e que fica em suas dobras embebida do molho. Uma fava de baunilha por cima, um prato bem quente, garfo e colher, paraiso.

Ai, meu Deus. Bom. No dia seguinte outra experiência maravilhosa. Le Moulin de la Gallette, em Montmartre. Fui de cabeça na "formule du jour", menú de 3 pratos por 28 euros. Ai. De entrada uma clássica salada de chevre chaude. Muito boa! Torradinha crocante com o queijo derretido em cima e os verdes muito frescos e bem temperados.



O vermelho no meio é um coulis de pimentão.



Depois um prato muito gostoso. Cubos de carne de cordeiro com molho de cebolas, sobre uma cama de penne al dente, creme de cenoura e rúcula fresca. A foto não é boa, mas estava delicioso. A taça de vinho é um rosê da Provence, sequinho e fresco.




A foto não é boa.



E a sobremesa, um duo de mousses (chocolate preto e branco) com calda de chocolate e sorvete de amendoas. Chá verde com menta para acompanahar. Bom, mas muito. Só comi metade.






E foi isso. A comida redimiu minha sensação de estar no lugar errado. Bom, a comida e um show muito agradável no teatro que aparece no começo deste post. Uma coisa intimista com clima de cabaré, regada com um ótimo vinho tinto. E depois um jantar num restaurante argentino médio, onde a carne era dura mas a companhia muito divertida.


...


Em Amsterdam me senti em casa. A cidade me conquistou de cara. Claro, fiquei muito pouco, não posso ter uma impressão profunda. Mas posso dizer que a atmosfera me era muito agradável, indepentente de qualquer atrativo turístico. Na verdade fiquei em Alkmaar, a 60 quilômetros da capital, uma cidadezinha muito bonita, inteiramente arborizada, cheia de flores, numa casa maravilhosa, comendo comida boa feita por espanhóis.

Só fiz duas refeições fora de casa. Uma noite de Tepan Yaki, aquela coisa performática em que a comida é feita na sua mesa. Um pouco anacrônico, me lembrou quando há 20 anos apareceu o primeiro restaurante japonês em Buenos Aires. Porções pequenas, mas muito gostoso. Comi salmão grelhado, legumes, sushi, sashimi, aspargos embrulhados em filezinhos de vitela, sorvete frito, comi qualquer coisa, estava morta de fome.

No dia seguinte almocei no Marché du Monde. É um galpão onde tem várias barracas e você pode escolher entre uma variedade de culinárias. Colocar vegetais numa cumbuca e entregá-los ao cozinheiro para preparar no wok, fazer um pratão de salada fresca e variada, escolher uma quiche, massas, carnes, doces, sucos. Muito limpo, organizado e gostoso. Comi um wok de legumes que ficou assim meio sem graça. Não queria comer carne e me faltou inspiração. Foi salvo pelo curry verde.




Marché du Monde.



Então voltei pra Lisboa, minha ultima escala. Jantei numa tasca, vitela aos coentros e arroz de tamboril. Delicia! Fiquei feliz em me despedir de Portugal com uma refeição feliz! Tomamos um vinho ótimo chamado Esteva, e para terminar, o famoso pudim alentejando. De lamber os dedos.

No dia seguinte, entrei no avião para voltar. Me serviram coisas horríveis, só de olhar para a bandejinha perdia o apetite. Fiz uma dieta à base de pão com manteiga e filmes na telinha, um atrás do outro. Até que passou rápido.

De volta em São Paulo, o conforto do conhecido, os restaurantes de sempre, voltar a cozinhar. Ontem fiz o que batizei de "moqueca mediterrânea". Um peixinho em tiras grossas (congrio chileno), ensopado com tomate, cebola, batata cozida e azeitona preta. Regado de vinho branco e temprado com tomilho limão. Que saudade.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Las comilonas en Madrid

E agora, escrevo sobre Madrid sentada num café em Paris. Chove muito! Estou tomando um capuccino bem quentinho com um croissant bem crocante, daqueles em que a gente não precisa passar nada. Delicia!


Chueca, point de MK em Madrid.



Em Madrid foi muito rápido mas tive várias experiências gastronômicas interessantes. Logo na minha chegada minha amiga quis me levar num chinês. Eu disse OK, mas no fundo fiquei encanada. Não queria comer chop suey num lugar pequeno cheirando a fritura. Mas não era nada disso! Olha como são os preconceitos! O local (Don Lay) era amplo, luminoso e arejado. Os garçons, todos chineses, não falavam uma palavra de espanhol mas eram bem simpaticos. Comemos muito! Foi pato laqueado, macio, em finas fatias e com um molho adocicado delicioso. Depois uma espécie de guioza cozido no vapor recheado com barbatana de tubarão. Maravilhoso! Também um peixe grelhado com frutas e acelgas chinesas cozidas com champignons. Água com gás em garrafa de um litro e um chá verde para finalizar. Super gostoso! Pena que não levei a camera fotografica.

No dia seguinte, outra orgia. Fomos na Casa Hortensia, num restaurante de comida típica asturiana que fica dentro de um prédio. Logo na entrada você dá de cara com um presuntão crú muito ameaçador! Devia ter fotografado na entrada, porque na saida estava coberto de gordura para não ressecar já que o restaurante tinha encerrado as atividades.



O presunto foi dormir.



Logo que sentamos trouxeram um pratão de queijo manchego (da região de La Mancha). Lembra um roquefort, só que mais suave e bem cremoso. Isso e um pão gigante e crocante em forma de rosca. Difícil resistir. Ainda por cima é de praxe pedir primeiro e segundo pratos. E com o queijo eu já estava quase ficando satisfeita.






De primeiro prato pedimos um peixe (bonito) assado no forno, servido com cebolas douradas e batata frita. Super gostoso. A essa altura eu já estava totalmente satisfeita, pensando em tomar um chá. Então chegou a perdiz ensopada com molho de tomate e feijão branco, "perdiz con fabada".



Estava tão bom!


A perdiz era uma delicia! Uma carne delicada, mais gostoso do que frango e num molho super bem temperado. Tive que fazer um exercício para parar de comer, porque já estava quase passando mal. Então chegou um arroz doce queimado por cima como se fosse um creme brulee. Muito bom, mas foi só uma colherada. Não consegui ir até o fim. Minha amiga espanhola, criada no pais Vasco deu o veredito: "Tu comes poco!".

E esta amiga é proprietária de um retaurante no bohemio bairro de Chueca. Com poucas mesas e uma proposta de "comida de mercado", ou seja, o que está legal no mercado é o que ela serve no dia. E ela cozinha muito bem. No meu terceiro dia ela tinha que preparar um jantar para 30 pessoas e me convidou a participar do processo. Vou contar como foi, mas desde já posso afirmar: Que Puta Trampo!

Tudo começou indo a um grande mercado próximo ao aeroporto de Barajas. Compramos de tudo, e minha tarefa era riscar da lista o que já tinhamos. A peixaria era incrível, tinha de tudo. Até lagosta viva.



Olha o tamanho das merluzas.



Depois os legumes, as entradas, acompanhamentos, sobremesa. Tem que ter um olhômetro e um jogo de cintura incrível para se adaptar ao que o mercado oferece. Procurando as carnes, passamos pelo setor de presunto.





E o carrinho ia enchendo.





Depois, descarregar, colocar as coisas na geladeira e freezer e deixar tudo preparado para a noite. Nem adiantava cozinhar, porque ela só faz as coisas na hora. O cardápio incluiu bolinhos de polvo e sua tinta, carpaccio, pimentão grelhado, merluza assada, salada, e muitas outras coisas. Crepes, sorvete. Regado a vinho tinto. Foi um sucesso. Acabei a noite lavando louça as 5 am. E sem comer! Tinha tanta fome que tudo acabou num café da manhã em pé numa banquinha de italianos. Nada charmoso, mas bem gostoso.



Tudo acabou em pizza.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Portugal, aprendendo a aceitar.

Um eléctrico chamado desejo.


Estranho escrever sobre Portugal sentada no café em Madrid. Bom, a vida de viajante é assim mesmo. Escrevo desde o café Diurno, num balcão olhando para a rua, tomando um chá branco e comendo una focaccia de champignons, brie e pesto. Uma delicia! Mas deixa eu lembrar Portugal.

Confesso que Lisboa, para quem vinha de Berlim, foi um choque. Daquela coisa arrumadinha, arborizada e cheia de espaços abertos para uma coisa apertadinha, antiga e com um ar decadente que é com certeza responsável por boa parte do charme. Lisboa é uma cidade interessante, cheia de cantos escondidos e surpresas. A arquitetura, a vista do Tejo dos vários miradouros, a luz. É muito lindo! Bom, falando na paisagem humana, as pessoas não são um exemplo de simpatia, há um jeito meio bronco no ar. Mas a gente aprende que não é pessoal, eles são assim com todo mundo, então releva-se. E nem todo mundo é brutamontes, há muita gente interessante também. Na verdade tudo é muito familiar. Estranho e familiar (a deinição de Freud para o monstruoso). Posso ver o Brasil aqui, entender um pouco mais o pais onde vivo, assim como me sinto na Espanha em relação à Argentina. Mas com certeza este é outro mundo.

Viver aqui é comer coisas contundentes. Tudo começa de manhã com um pingado, um sumo de laranja e uma tosta mista. Esta ultima, versão local do misto quente, costuma ser excelente. O pão é bom, vem bem tostado e o recheio não é aquela obscenidade das padocas brasileiras. São duas fatias de cada coisa, digamos. Sutil, derretido e gostoso. Então começa o perigo. Em Portugal adquiri o hábito de encerrar o café da manhã com um doce. Pastel de nata, travesseiro, bolo de manteiga, coisas do gênero. Tudo com recheios a base de ovo. Ovo, ovo, ovo.



Café A Brasileira, no bairro do Chiado. Foto de 1935.



A comilança continua no almoço. De entrada muito pão, manteiga, salada de grão de bico, queijos interessantes de ovelha, presunto cru. A seguir o infalível bacalhau. Experimentei grelhado, com natas e com broa. O ultimo foi o mais gostoso, com uma farinha de milho crocante por cima e espinafres por baixo. Também comi polvo grelhado com batatas ao murro, servido numa panelinha de ferro, num restaurante no Bairro Alto. A quantidade de azeite nesse prato não dá para explicar. Tempero bom, mas polvo duro e faltava sal. Na verdade senti falta de sal em todas as refeições, o que me faz pensar no meu paladar, se ele não esta um pouco viciado... Tenho que mudar isso pelo bem do meu coração.

Pontos altos em Lisboa foram o restaurante Agito, no bairro alto, onde comi coisas meio nouvelle cuisine, porém super bem servidas e temperadas. Eles tem uma entrada que é de matar: tamaras enroladas em bacon e grelhadas. Não dá para comer só uma, nem duas. Outra coisa legal foi o café Les Mauvais Garçons, atendido por varios homens de diferentes nacionalidades todos absurdamente bem apessoados. A comida é ótima, coisas leves, tortas com salada, bacalhau, tapas, massas. Chás do mundo inteiro e internet wi-fi.




O que sobrou de uma placa...



Já no norte as coisas mudaram um bocadinho. Fomos para Porto, onde jantamos numa churrascaria incrível e onde finalmente provei um bolinho de bacalhau do bom. Isso e depois vitela super macia com batatas fritas, arroz e salada. Praticamente um PFão... Muito bom. Também jantamos na Casa da Musica, que é um centro cultural sensacional que tem um restaurante no ultimo andar. Um pouco pretensioso e sem sabor, mas naquele horario e com aquela fome, ótimo. Isso depois de assistir um concerto numa das salas com melhor acústica em que já estive.

Depois, passeando no Vale D'Ouro, um almoço muito bom à beira rio, com cabrito assado e legumes. Depois mais bacalhau, em Vila Real (este não muito bom, caiu super pesado), e um jantar médio em Guimarães, num restaurante para turistão. Estava tudo razoável, eu pedi uma costeleta assada que veio um pouco pálida mas tinha bom sabor. Agora, a linguiça que pedimos foi a coisa mais estranha! Veio uma coisa totalmente preta, recheada de uma gordura rija, que nem a faca de serrinha conseguia vencer. Mas o vinho (Esteva), era excelente. E o ambiente, medieval. No dia seguinte, voltando de Braga a Lisboa, paramos em Mealhada para provar o tipico leitão. Uma delicia! Um pouco magro, digamos que tivemos que brigar pela carne, mas muito saboroso e com um molhinho para acompanhar que era bem interessante, à base de pimenta do reino e ervas, bem salgadinho, combinava muito bem.



Um bequinho numa cidade pequenina.



Em matéria de doces o Pastel de Belém reina soberano. É um clichê mas é real. Ele vem quente, com massa folhada e uma suavidade no recheio indescritível. Conheci uma mulher magra que é capaz de comer doze unidades de uma tacada só. Como é possível que ela seja magra? De minha parte, engordei um pouco. Muito pão.

Em Portugal tive que superar uma certa decepção. A comida não foi como eu esperava. Pensei que eu fosse me deliciar constantemente com tudo. Tive ótimas experiências mas não foi como nas minhas projeções. Mas também, quem mandou "esperar"? A gente tem que ir pras experiências aberto e sem expectativa. Quem consegue?



Pastel de Belém, o rei!