sexta-feira, 7 de março de 2008

O gosto dos outros



Adoro cozinhar e receber, mas ser recebida e provar o tempero alheio pode ser um banho de água fresca no meu paladar. Na cozinha e na música sinto a mesma coisa. Me canso do meu próprio jeito de fazer as coisas, minha maneira de compôr, meus acordes, melodias, meu tempero, minhas escolhas habituais. É um exercício se libertar desses mecanismos automáticos, uma tentativa de não se repetir. Como diria Picasso, copiar os outros é ótimo, copiar a si mesmo, imperdoável. Ou algo assim. De qualquer maneira, já que não se repetir é impossível, ter consciência desses reflexos involuntários já gera um resultado diferente. E cozinhar me dá esse prazer que a arte traz, esse estado de inspiração em que a gente sai do ar ou do chão, não vê o tempo passar, entra numa espécie de eternidade.

Nesse fim de semana fui almoçar na casa de amigas artistas e cozinheiras. Foi bom ser recebida com sabores diferentes, pratos coloridos, outro timing, a hospitalidade de sempre. Conversa interessante, risadas, projetos e comida da boa.

Começando com uma entradinha onde consegui identificar a presença das musas: uma torradinha de pão de centeio com mostarda dijon, beringela palha e um pedacinho de tâmara. A côr linda, tons verdes e marrons, o cheiro ótimo e o sabor excelente. O ardido da mostarda com o ácido da beringela (em finíssimas tiras e temperada com limão ou vinagre ou ambos) e o doce da tâmara em perfeita comunhão.



Quem resiste a essa entradinha?



Depois uma salada com diferentes folhas: alface americana, agrião... tinha rúcula? Por cima um pouco de amendoim torradinho. Para temperar azeite extra virgem, vinagre balsâmico e gersal daquele bem preto. Bem refrescante, perfeita para abrir os trabalhos num sábado quente.



Salada.



E então, a estrela do dia. Bacalhau assado com cebola, batata doce, pimentão e azeitonas. Tudo num mar de azeite. Não. Um mar de azeite seria se eu tivesse feito o prato. Estava mais para uma lagoa rasa e, por isso mesmo, melhor. O bacalhau em iscas boiando feliz em meio às batatas levemente torradas (a cozinheira omitiu a batata da receita original e usou apenas a batata doce) e à cebola a ponto de desmanchar, quase cremosa. As azeitonas muito oportunas quebrando a doçura . Receita de mãe. Eu nunca teria feito assim e no entanto, achei perfeito. Comi dois pratos, não resisti.



Arroz integral cateto para acompanhar.


E para coroar o banquete, sorvete de chocolate com amêndoas e um pirulito crocante de casquinha que servia de obscena colher para consumir a iguaria. Um chá verde com arroz integral torrado a cargo da diplomacia com os órgãos digestivos e uma sensação inegável: eu não teria feito melhor. O gosto dos outros é muito bom.




Sobremesa dos Deuses.



Bom, o gosto dos outros também pode cansar, não é mesmo? Não o dos amigos cozinheiros, mas o gosto da comida feita em série: o sabor restaurante. Por incrível que seja o chef, o cardápio e o ambiente, depois de dias sem comer em casa, acabo com saudades do meu próprio tempero.



10 comentários:

Anônimo disse...

é mesmo uma delícia se entregar à comida alheia. é um pouco como viajar para um outro país...

pode ser até meio arriscado, mas nos obriga a saborear a comida de um outro ponto-de-vista.

adoro viajar...

Vera Bonilha Atriz disse...

eu faço minhas as suas palavras em relação ao gosto dos outros. isso me faz lembrar principalmente todas as vezes que tive a deliciosa oportunidade de degustar de sua culinária refinada e eclética. com certeza teremos sempre como intercalar nossos gostos e sabores. exercício para os sentidos, aprendizado para a alma. bjs, Clau.

Vera Bonilha Atriz disse...

Eu como usualmente fico na parte operacional de lavar e degustar, sou superaberta ao gosto dos outros. E sem dúvida o gosto dos outros é melhor apreciado na companhia do todos...
Salve os almoços entre amigos!!!

Namaste

Ana Dupas disse...

também adoro, ainda mais quando se sabe que pode confiar nos "outros"!

Um dos meus passatempos prediletos é assistir (a) os outros cozinhando e aprender com eles! Acho uma delícia!

O melhor de tudo é ver como os outros cortam a cebola, os legumes, as frutas, as ervas... e seus trejeitos (tem gente que corta erva com tesoura...)

Vera Bonilha Atriz disse...

Essa da tesourinha eu já ouvi...parece que é famosa.
Eu gosto quando a pessoa corta tudo bem rapidinho. E fica batento a faca na tábua, tec, tec tec...
Aqui em casa aprendi que a cenoura tem que ser cortada na vertical, ou seja, nada de rodelinha. É mole???

Clarice Toledo disse...

Ontem fui ao Martín Fierro pela primeira vez. Lógico que experimentei sua combinação.
Gostei muito.
Tks!

Só o café deixou a desejar: não passou no teste do açúcar que deve passar devagar pelo creme -vulga espuminha, que aliás, não estava homogênea e se desfez fácil.
Mas tudo bem, sei q sou exigente nesse ponto.

Clarice Toledo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

natália, como eu tenho a tarefa diária de pensar o cardápio da família e isso é tão cansativo, acho uma delícia provar a comidinha dos outros! Mas procuro fazer pão regularmente, além do exercício maravilhoso,o aroma do pão assando traz aquela sensação de acolhimento...tão boa...
mas tava procurando um jeito de falar com você e achei esse aqui...
estou ouvindo e curtindo seu cd há umas tres horas...meio tango meio bolero meio rap... como tá dito lá no estadão, simples e por isso mesmo bacana a beça! gracias
abraço
cris terribas

Natalia Mallo disse...

obrigada a todos pelos comentários!
cris, se você quer saber mais sobre o lado musical, entra em www.myspace.com/nataliamallo
e aparece nos shows!


em breve novo post, que agora esta no forno (literalmente)

Dan Lopes disse...

a-d-o-r-e-i teu blog, ta nos meus favoritos já