domingo, 30 de dezembro de 2007

Salutem Per Acqua

Passando pela ponte semi-destruida


Aqui onde estou (região dos lagos, Patagonia norte) tem de tudo, são muitos os atrativos. E alguns deles se devem à intensa atividade vulcânica que acontece por aqui. Confesso que isso me dá um pouco de medo. Afinal, nunca se sabe quando os vulcões vão acordar. Claro, eles avisam antes, há indícios. Mas... e se o vulcão resolver cuspir lava de uma hora pra outra, sem aviso prévio, bem na hora em que estou em cima dele tirando fotos? Bobagem, não é? Mas as pessoas em Pompéia confiaram e lá estão, em forma de estatua no meio do que estavam fazendo.

Medo superado, resolvi correr o risco e aproveitar as vantagens. Sempre quis tomar banho em águas termais! Acho sensacional essa coisa da água quente brotando da pedra, um milagre. Por isso resolvi fazer uma extravagância e visitar o Spa Termal de Montanha Lahuen-Co, muito perto da fronteira com o Chile. Um pré-presente de aniversário.





A estrada é linda! A gente passa por lagos e mais lagos, de águas claras e praias de areia branca. Dá até para fingir, fotográficamente falando, que se está no Caribe, não fosse o vento polar e a temperatura da água (menos fria do que lembrava). Foram duas horas e meia de curvas, subidas, descidas, arco-iris, lagos, vales, pedras gigantes, picos nevados, flores (brancas, amarelas, violáceas) e bichos. É incrivel como as vacas aqui são gordas, os cavalos grandes e todos os quadrúpedes (cachorros incluidos) tem pêlo lustroso e bonito.


Carro de buey


Antes de chegar às Termas, a coisa ficou preta, literalmente. A estrada de terra agora tinha côr de cinza, e pequenas rochas de lava solidificada se acumulavam em suas laterais. Dos dois lados, um pouco mais longe, a exuberante floresta valdiviana. Paisagem muito peculiar. O lugar em si, o Spa, é bem bonito, uma construção de madeira, pedra e vidro, em frente a um bosque.


Modalidade: Yoga-na-lava


Fui muito bem recebida com chá de ervas e bolinho e convidada a aproveitar os banhos. Ganhei uma toalha, um ropão e um chinelinho estranho, meio de plástico. No setor de banhos, três mini piscinas com temperaturas de 37,5 a 41 graus, muito relaxantes. Quinze minutos de imersão e mais quinze descansando e lendo meu novo livro do Philip Roth. Ainda provei a ducha vichy, que consiste em 5 jatos de agua termal bem quente caindo em locais do seu corpo a escolher. Acho que gostei disso, mas não sei. Duas horas depois da chegada, o merecido e aguardado almoço, que eles descreveram como "patagônico gourmet".



Sala de banhos



O cardapio parecia interessante. De entrada pedi vichyssoise, uma sopa de alho porró, batata e creme de leite que meu pai fazia pra mim quando eu era criança. Desta vez na versão quente. Estava boa! O pão meio durinho e nada para espalhar nele. Comecei a desconfiar. As opções para o prato principal: truta, ojo de bife, wok de legumes ou papardelle mediterrâneo. Quis a truta, mas não foi possivel. Tudo tinha acabado, menos o wok de legumes. Fazer o que? O wok estava bonito na apresentação e correto no sabor, mas meio sem graça. O atendimento um pouco disperso, o azeite de oliva não chegava, não chegava... O vinho rosê não chegava, não chegava.


Primeiro prato: Vichyssoise



As sobremesas boas também acabaram. Sobrou uma unidade de algo de nome francês impronunciável, traduzida como vulcão de chocolate. Era um petit gateaux bom, mas feito no microondas (ouvi o apito quando ficou pronto). Tenho preconceito automático com tudo que é feito nessa maquina maléfica, mas comi mesmo assim porque não sou tão radical. No final, pedi um chá de boldo e fiquei lendo num sofazinho enquanto aguardava o horario da aula de yoga. Depois de tanta comida era tudo que eu precisava para concretizar meu projeto "gordura sustentável".


Segundo prato: Wok de legumes, bonito mas sem graça



Mas a aula de yoga não chegava, não chegava (ainda bem que fiz yoga-na-lava). A professora foi fazer massagem numa senhora e nunca mais voltou. Ainda por cima ficou de má vontade quando soube que iriamos querer a aula que o pacote "day spa" incluia. Não fui com a cara dela, apesar de ter simpatia espontânea por grávidas. Ela não sorria de jeito nenhum. Bom, como não dava para passear pelo complexo termal, já que chovia o tempo inteiro, voltei pros banhos, mas estava cheio de gente e não tinha onde sentar. Resolvi ir embora, curtir essa linda estrada de volta e aproveitar o fim de tarde em San Martin.

...

Chegando na minha cabana, resolvi não sair para jantar. Comer fora o tempo todo enjoa. Então fiz um lanchinho... torrada integral com presunto crú e queijo de ovelha, salada de alface americana e tomate (aqui o tomate é uma coisa), batata doce cozida (menos doce que a brasileira), cervejinha Stella Artois, tudo de bom, tudo silencioso.

Acho que o banho em água termal altamente mineralizada me fez muito bem. A minha pele ficou macia, os músculos relaxados, me deu um soninho bom... Mas o mérito é todo do vulcão, ou de Deus. Esse pessoal do Spa precisa aprender algumas coisas sobre como oferecer um bom serviço, ou melhor como simplesmente dar às pessoas aquilo que oferecem (por um preço nada modesto).

Epílogo: Reclamei por email com o povo do SPA, que se desculpou sinceramente e me convidou a passar mais um dia por lá, cortesia. Agradeci mas não vou, quero tentar um rafting no rio Hua-Hum.


MK

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Eu era feliz, e sabia.

Desembarquei em San Carlos de Bariloche na hora do almoço, como é de se esperar. Não comi a media luna servida no avião para não "estragar" minha fome. No aeroporto peguei um carro e enquanto mergulhava nos mistérios do câmbio automático, me perguntava como seria minha primeira refeição patagônica. Por indicação do cara que nos entregou o carro (a quem eu deveria mandar flores), fomos parar no "El Boliche Viejo", restaurante de beira de estrada. E que estrada!



A maravilhosa "Ruta de los 7 lagos", que como seu nome diz, atravessa uma região maravilhosa, verde, cheia de lagos côr de esmeralda, com picos nevados ao fundo. Cada curva da estrada mostra um novo visual de sonho. O ar tem cheiro de cedrinho, e é muito muito leve.

"El boliche viejo", agora sei, é um clássico! O prédio é tombado pelo patrimonio histórico, o chão de tabuas de madeira muito antigas, afundadas. Abriu suas portas em 1900 e dizem que até Butch Cassidy comeu por lá (talvez seja lenda). Sentei numa mesa do lado de fora, aproveitando os 27 graus de temperatura e o sol. O garçom, um indio bonitão e muito arrumado, me puxou pelo braço e me mostrou a grelha. Disse: "Esto es lo que tengo", apontando para um bife de chorizo e um matambrito de ternera. Escolhi o segundo que tinha uma cara ótima.

De entrada, empanadas criollas, de carne, fritas em banha. Sequinhas, suculentas, tempero maravilhoso, me lembrou minha infância, fiquei muito feliz. Também trouxeram um pão quadradinho frito, quente, ótimo. No "salad bar", me servi de uma generosa quantidade de vegetais: beterraba, batata cozida, ervilha fresca, tomate. Não sei há quanto tempo não comia um tomate tão doce, com tanto gosto de tomate. E então ele chegou: o matambre é um corte bovino muito fininho, que nunca vi no Brasil. Tem uma consistência interessante, macia, mas como se fosse um "courinho". É coberto por uma fina camada de gordura. Muito macio, muito saboroso, dourado pelas brasas de lenha. Este matambre era de ternera (vitela). Dois molhos para acompanhar: chiminchurri e salsa criolla. Esta última é uma espécie de vinagrete, só que mais temperado e com menos cebola.

Nunca vou esquecer esse almoço, a paisagem, o dia lindo, o parrillero Alberto, muito simpatico. Fomos às lágrimas, de verdade. E ainda teve um vinho da vinícola Alfredo Roca, da uva Malbec, que caiu redondíssimo. E de sobremesa, budin de pan, ou pudim de pão. Muito suave, com caramelo por cima, e chá "cachamay", que é uma mistura de ervas digestivas muito útil. Depois de tanta alegria, pé na estrada. E que estrada!



Aproveitando o 4x4, fiz o caminho "longo". Demorei 4 horas entre o aeroporto de Bariloche e San Martin de los Andes. Mas é um passeio imperdível, recomendo a todas as pessoas que queiram ver um lugar preservado, com ar e água limpos, ocupação controlada, casas de madeira e pedra, árvores centenárias, e... comida incrível!

Chegando na minha cabana em San Martin, (cidade pequena, charmosa e limpa à beira do Lago Lacar), mais uma surpresa agradável: posso comer cerejas diretamente do pé... é só abrir a janela.


segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Desde Buenos Aires I


Hola, que tal?


Este teclado nao tem "til"!

Mas esta cidade está cheia de brasileiros! Buenos Aires ferve de turistas e está deslumbrante de tao bonita. Em breve incluo as fotos que venho fazendo.


Depois de um pao de batata ruim em Guarulhos e um vôo lento e abafado (sequer toquei no café da manha que serviram), desembarquei na minha cidade natal na hora do almoço, algo que planejei maquiavelicamente. Meu pai me levou diretamente pro tradicional "El establo", um restaurante/churrascaria no centro. Eu disse que nao queria pegar pesado, afinal, com 3 semanas de orgia gastronômica patagônica pela frente, seria melhor começar aos poucos.



El Establo

Com um sorriso muito suspeito no rosto, meu troglodita progenitor chamou o garçom e pediu: (eramos 4)


2 chorizos (linguiça, gostei mas achei meio gordurenta)
1 morcilla (chouriço, maravilhoso do tipo vasco, com especiarias e uva passa)
1 provoleta (fatia de 1 cm de provolone, temperada com orégano e grelhada no carvao)
1 ensalada mixta (alface, tomate e cebola)
1 ensalada de remolacha y huevo (beterraba cozida e ovo cozido)
2 entrañas (corte bovino que lembra a fraldinha)



Estava tudo muito gostoso! Inclusive o chimichurri local, mais apimentado e ralo, me encantou especialmente. Nao tomamos vinho, só água mineral. A sobremesa foi a minha preferida de hoje e sempre: panqueca de maça queimada ao rum. Flambada na hora por um garçom nada exibido. Manjar dos deuses.


Atendimento bom, comida ótima, ambiente agradável, conversa animada, as minhas saudades começaram a ser torturadas. Depois da orgia, que meu pai considerou um almoço light, fui descansar um pouquinho, e acordei 14 horas depois, na mesma posiçao. Antes de cair em coma digestivo, vi na televisao uma conhecida de infância transformada em chef revelaçao, apresentando um programa de tv sobre comida muito bom, bem feito, à moda dos programas ingleses como o da Nigella. Fiquei feliz por ela, Narda Lepes.


Também vi que na TV a cabo argentina existe um "canal Gourmet", bem interessante, gente cozinhando na telinha 24 horas por dia.


Café Tortoni

Mas como a vida nao se trata de ver TV, ao acordar no dia seguinte, segui diretamente para o Café Tortoni. O café mais antigo de Buenos Aires (fundado em 1858), que apesar de point extremamente turístico, é um templo de lembranças de uma arquitetura deslumbrante. O lugar é simplesmente lindo! Sem falar na comida... Os garçons tem uns 95 anos de idade, em média. Morta de fome, tomei um café com leite, com tostado Tortoni (em pao de miga, com tomate), media-lunas e suco de pomelo (grapefruit). Abri o Clarin, li o jornal inteiro, me senti portenha novamente.



O Tortoni é também o local onde acontecem shows de tango da linha bem tradicional, com intérpretes mega dramáticos com estética for export. O Gardel cantou por lá, numa balada/homenagem ao Pirandello. Nas paredes tem fotos de Borges tomando agua mineral, Anibal Troilo (bandoneonista da orquestra de Piazzola) mandando bala no vinho tinto, Susan Sarandon comendo uma empanada e Hilary Clinton tomando champagne. O salao onde acontecem os shows de tango é a coisa mais linda, inteiramente revestido em madeira, totalmente escuro, com um piano de cauda no palco ínfimo. Me imaginei cantando lá com o GatoNegro, meu trio de tango. Quem sabe um dia?


Bueno, agora vou sair, tenho que ir até a Confiteria Florida Garden, onde minha avó chique me levava para tomar Ginger Ale na década de 80. Vou retirar a torta de mousse de chocolate (a melhor do mundo) que encomendei para a noite de natal.



Después te explico.



MK

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Estado de pré-férias

lanchinho da tarde: azeitona chilena, queijo de cabra bouchon com pimenta rosa e azeite, queijo prima donna, cerejas e vinho tinto.


Não consigo mais fazer supermercado, nem tomar café da manhã em casa. Todas as refeições viraram um evento, algo que acontece em meio a uma correria que tem muito de inventada. Essa coisa desenfreada responde a um estado interno da gente e a uma sensação coletiva de algo que se precipita, o fim do ano.

Viajo em três dias, e todos os almoços e jantares tem sido festivos. Ontem conheci o Jabuti, um restaurante de petiscos do mar, perto do Instituto Biológico. Adorei a idéia, um lugar diferente, um bairro diferente, um cardápio temático. Lugar simpático, garçom ótimo, bolinho de bacalhau excelente, casquinha de siri mais ou menos, polvo a vinagrete gostoso, adocicado e picante, nenhum vegetal no cardápio (isso me deu muita aflição, porque a salada é um catalizador da culpa, e eu gosto muito, preciso).

Hoje tomei café da manhã no Almanara. Esfiha de verdura com pinole (a estrela da refeição), salada fatuche e abobrinha recheada. De sobremesa teve Malabie, manjar árabe que estava bem gostoso, suave. Lembrei da minha avó libanesa e de como ela era má, mas fazia um ótimo babaganuche. O Almanara é um restaurante onde não tem erro. Não é nada emocionante, mas é tão padronizado que mantém um bom nível de qualidade, sempre. A formalidade do ambiente e o atendimento com palm-tops antenados confirmam.

E no jantar de hoje, penne sabores ragu e pesto. Ambos feitos pelo César, de quem já tinha provado o risotto de cogumelos. Molho generoso, penne ao dente. Comi demais. E ainda tive a coragem de pedir mais meia colher, pra provar o pesto. Ai percebi que gosto mais de pesto do que de ragu, (se arrependimento emagrecesse...). Ou talvez fosse o dia. Perguntei pro chef : "no ragú vai linguiça, não?". Ele respondeu: "no meu, só pancetta e carne". Dado bem interessante. Estava ótimo, e os comensais, amigos músicos, agregados, turma querida, estavam comendo com muita vontade e bebendo caipirinhas de caju.

No restante desta agonizante semana, ainda vou ter que passar por um restaurante português (amanhã, para comemorar uma futura ida a Lisboa), um jantar em local a definir na sexta e sábado o embarque para Buenos Aires, com direito a café da manhã by Aerolíneas Argentinas.

E depois?

Especial Miss Kitchen Argentina, revelando segredos da gastronomia portenha e descobrindo os pratos patagônicos. Haja trekking.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Prazeres Proibidos

Apesar do que o meu discurso possa aparentar, eu sinto culpa. Quase sempre acho que comi demais, pedi coisas variadas demais, comi rápido demais... às vezes acho que gastei demais (se a comida não foi boa).

Mas nada se compara à culpa que sinto ao me permitir comer certas coisas. Ontem, por exemplo, fui no Sachinha (restaurante de grelhados), disposta a comer um peixe com salada, e beber bastante água. Acabei comendo linguiça calabresa com polenta frita e cerveja... (teve salada na entrada e água na saída, pra não dizer que fui totalmente troglodita). Meus acompanhantes (um diretor de teatro inglês, uma atriz/fazendeira, uma baterista faminta e um cachorro que não se sentia bem), me viram seguir sem esforço pelo mau caminho. Este era o acaminho deles, exceto do cachorro, que não se sentia muito bem.

Eu não tenho gosto especial pela junk food, por sorte meu gosto tem um quê natureba e amo legumes, meu fígado fraco me protege. Vou ao Mc Donalds só uma vez ao ano (religiosamente). Aliás, em 2007 ainda não fui, e duvido que resolva isso esta semana.

Uma certa manhã (bem, era quase meio-dia), sai de casa sem ter tomado café, atrasada para um ensaio, e resolvi parar numa padaria na Heitor Penteado. Uma daquelas padarias bem populares, que não tem expresso, que são meio sujas, cheias de homens, alguns deles tomando cachaça desde cedo. Eu entrei pensando "vou pedir um suco de laranja com mamão, e vai ser isso". É que há algum tempo estou tentando sem sucesso eliminar o pão da minha dieta. Principalmente pão branco, especialmente pão na chapa, daqueles cheios de manteiga.

Nunca gostei muito de mamão.

Ao entrar me deparo com estas imagens:



Coxinha, mini coxinha, risole, bolinho de bacalhau e pão de queijo vulcânico (repararam no furo? esse furo implora por requeijão, catupiry ou qualquer coisa branca e mole).

E ainda:



Pastel, salsicha, folhado de presunto e queijo.

Realmente, uma visão do apocalipse hepático.
Salivei, suei frio, meu estômago parecia um trovão de fome, mas resisti:
Pedi um pingado e um pão na chapa.


MK

sábado, 15 de dezembro de 2007

como?

como sempre
beber água
como eu
tomar água
como remédio
hora em hora
como deveria
só água
comida não
como agora
outras horas
como tudo

Vidinha mais ou menos...

La Casserole


Ontem, sexta-feira de trânsito e garoa fina, resolvi ir à Sala São Paulo, para ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven, uma peça que é uma espécie de Britney Spears da música erudita, bem pop. A famosa lanchonete de lá também me interessava. E mais uma coisa que preciso confessar, nunca fui à Sala São Paulo! Isso sempre me fez sentir meio ignorante, inferior, plebéia, passo vergonha na frente dos meus arranjadores. Só que, chegando lá, não tinha mais ingressos, tudo esgotado. Pensei: de repente saio da minha mania de só pensar em comer e vou assistir uma peça qualquer, assim, sem saber do que se trata, posso me surpreender...

Acabei no tradicional "La Casserole", no Largo do Arouche. Afinal, é uma outra instituição da cidade que eu não conhecia, tão importante quanto. Logo na entrada reconheci o Maître, era o Júnior, ex-marido de uma amiga que eu não via há 10 anos. Era ou não era? Era! Só que ele se transformou no Chef Aldo Alves, as pessoas mudam! Achei ótimo. Ele foi super atencioso assim como todos os garçons. Como estava cheio, fui conduzida até a última mesa, lá no fundo. Técnicamente a pior mesa, mas eu não achei! Dela eu tinha visão privilegiada da porta da cozinha, de onde saia um desfile de belezas que colocava qualquer fashion week no chinelo.

Vi passarem escargots, pernas de carneiro, camarões, fois-gras, saladas, risotto de cogumelos, sorvetes, mousse de chocolate. Uma visão dos Deuses.

O couvert foi muito refrescante, com bastões de pepino, salsão, cenoura e cebolinha. Também um pão francês bem fresco e uma manteiga muito gostosa, salgadinha. Tentei comer pouco. Não consegui. Pedi uma taça de Chardonnay Terrazas (Arg), para acabar de derrubar meu preconceito com vinho branco, e como prato principal lulas grelhadas ao azeite de alho com mini legumes assados. Não tenho palavras para descrever o perfume e a sensualidade do prato (bom, isso já são palavras para descrever). As lulas estavam quadriculadamente grelhadas e tinham uma consistência levemente borrachudinha (deviam ser congeladas, tão longe do mar estamos), mas nem isso ofuscou o sabor delas. Tinha umas lasquinhas de alho assado e era um prato molhado, cheiroso e bonito. Bem mais bonito que a foto, feita com celular. Fiquei muito feliz.



Como se isso fosse pouco, a sobremesa. Creme de marrons (castanhas) com mousse de chocolate e chantilly. Leve, nada enjoativo, na medida. Com chá de hortelã fresca no capricho.

Fora isso, a decoração é muito bonita, sem ser excessiva. Ambiente agradável, boa iluminacão, familias jantando, nada daquele clima descolado dos restaurantes da moda, ninguém interessado em se exibir, só em deglutir. Não é por acaso que o restaurante está no mesmo endereço há 50 anos. As histórias sobre seus criadores são interessantíssimas. Um casal e tanto, Roger Henry e Fortunée. Tem foto dela no cardápio, de lenço na cabeça, servindo um charmosérrimo Omar Shariff. Hoje o restaurante está nas mãos da filha deles, Marie-France, que pelo jeito cuida muito bem.

Sai de lá entusiasmada e feliz, grata por ter condições de me permitir esses prazeres. Valeu cada centavo. Ainda bem que não gasto com roupa, carros e essas coisas. A boa mesa me inspira muito mais. Como disse no meu primeiro post, é por essas e outras que não tenho poupança.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Delicias judaicas

Esquina famosa: Larrea y Sarmiento - Barrio Once


Ah, meus 10 anos...



Morei em Buenos Aires dos zero aos vinte anos. Nesse periodo mudei de casa doze vezes. Em parte porque, já que moravamos de aluguel, por que não experimentar diferentes bairros? Em parte porque sou filha de pais divorciados e rolava aquela coisa de morar com um ou com o outro, dependendo da disponibilidade, situação financeira e paciência de ambos.

Numa dessas morei no bairro Once, equivalente ao Bom Retiro de São Paulo. Era o bairro judeu por excelência, com muitas lojas de tecidos e um movimento comercial intenso. Hoje é um bairro coreano/chinês, mais intenso ainda.

Nessa época, morava num apartamento antigo na rua Sarmiento, grande e lindo, colado na escola onde estudava e exatamente em frente ao SHA - Sociedade Hebraica Argentina. E ao lado do SHA, um boteco maravilhoso, onde umas tres vezes por semana eu comia pletzalej com pastrami e pepino, acompanhado de refrigerante de laranja da marca Mirinda, em garrafa de vidro. O refrigerante não existe mais. O boteco não sei, mas vou descobrir. Eu tinha 10 anos de idade. Faz 22 anos. Oh, Lord.

Como era de se esperar 99% dos meus amigos eram judeus e frequentavam o clube em frente à escola. Eu também frequentava, de bico. Meus amiguinhos me ajudavam a passar "despercebida", até que uma hora os guardas pararam de "não reparar" em mim e eu comecei a usufruir com liberdade de varias atividades: aula de informatica, softball, piscina e beijos furtivos no terraço. Sei que era muita cara-de-pau, mas a cumplicidade de meus amigos sócios do clube e minha pouca idade me isentavam de julgamento.

A festa acabou quando meu pai casou pela terceira (quarta?) vez, resolveu fazer uma lua-de-mel de 3 meses e voltei a morar com minha mãe, do outro lado da cidade. "Começar de nooovo"...

Mas guardo a lembrança desses tempos no Once com carinho, especialmente pelas iguarias que comia no boteco, na lanchonete do clube e nas casas dos meus amigos, onde sempre fui recebida como parte da familia. Isto é: mães que, como aos seus filhos, me faziam engolir toneladas de alimento que eu aceitava educadamente, para não fazer desfeita. (Uma vez cheguei a implorar clemência).

Evocando estas lembranças, visitei dois restaurantes em São Paulo: A Z Deli da Alameda Lorena e o AK Delicatessen, em Higienopolis.



AK Delicatessen

O AK (nome extraido da dona e chef, Andrea Kaufmann, que por coincidência é casada com um argentino) fica num sobrado bem charmoso, tem um ambiente agradavel, bom atendimento, garçons gatos. Sem saber, eu conhecia a dona, porque frequenta a padaria da esquina da minha casa (Leticia), e ela me conhecia por causa do Trash Pour 4. As mesas do salão superior ficam um pouco próximas demais pro meu gosto, mas a iluminação é ótima. O cardapio é bonito mas enorme (em termos de tamanho mesmo), e tem bela encadernação. Detalhes de bom gosto em tudo. O cardapio enorme tem varios pratos típicos da culinaria judaica, com um toque contemporâneo. Funciona como rotisserie também. Ótimos vinhos. Pães quentes com diferentes patês de couvert irrecusável. Comi o robalo em crosta de zatar com molho cremoso de limão sisciliano e purê de batata. Demorou um pouquino (o restaurante estava bem cheio) mas estava bom, um pouco torradinho embaixo, quentinho. Minhas amigas comeram varenikes. O simples (só na manteiga) estava mais gostoso do que o trufado. Acho que o perfume do azeite trufado pra algumas pessoas fica too much, lembrando gás de cozinha. Mas é questão de gosto, e de dose. A sobremesa coletiva foi um bolo bem leve de chocolate, muito bom. O preço é salgado. Mas, com essas características, onde não é?




Z Deli


A Z Deli é um clássico no dia-a-dia dos Jardins. Você mesmo se serve num balcão onde ficam expostos, todos os dias, os mesmos pratos. No setor de frios: saladas variadas, gefilte fish, pastrami, rosbife, salada de batatas, pepino com iogurte, quibe de carne com gergelim. Fui lá hoje mesmo, olha meu pequeno prato de entrada:


isto é só o começo!



Tudo muito bom! O molho da salada de folhas, com salsinha picada, ótimo!
Depois passei aos quentes. Polpetone com molho de tomate, varenikes e espinafre. Esta última, tão boa! Me pergunto qual foi o tempero.




A sobremesa foi um tablete chamado Gerbeaud, com nozes, geléia de uva e chocolate. Café expresso e uma caminhada para meditar sobre a experiência.

(O preço é salgadinho, mas com essas características, onde não é?)

Ah! A única coisa que não aprovo na Z Deli é o microondas. Esse método de esquentar comida enlouquecendo moléculas de água não me agrada nem um pouco. Pode ser muito prático, eu sei. Mas nesse sentido não tem negociação, me recuso.


O endereço óbvio pra comida judaica é mesmo o Bom Retiro, com os tradicionais Cecilia e Sho Shana. Mas estas duas opções, em locais mais tranquilos e perto de casa, são ótimas. O AK, para gastar um pouco mais e ficar num clima mais romântico, para jantar. A Z Deli para almoçar rapidamente (ou demoradamente).


AK Delicatessen
Rua Mato Grosso, 450 - Higienopolis
www.akdelicatessen.com.br

Z Deli
Al. Lorena 1689 - Jardins
3088-5644

Puchero para dos - Passo a Passo

Estes são os materiais que eu tinha:



batata, batata doce, inhame, milho, cebola, abobora hokaido, cenoura e abobrinha



os legumes lavados e cortados



músculo em cubos




reparem que tem feijão fradinho também!
(por que essa foto ficou amarela, não sei...)



pode ir pro banho... demora uma hora ou mais (ou menos)


voilá!
reparem nas duas variedades de mostarda (ao mel e ao poivre vert), e no azeite Ybarra extra-virgem, espanhol, maravilhoso!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Puchero, o levanta-defunto!

Foto: Restaurante Fuentes - São Paulo - SP


O puchero é um prato típico espanhol, parente do cozido português e muito comum na Argentina. Ideal pro inverno, "confort food" total, quentinho, nutritivo, suave e gostoso. Especialmene indicado em casos de gripe, resfriado e carência afetiva. Eu adoro, é um dos meus pratos preferidos. Faço toda semana e vou consumindo aos poucos.

O puchero consiste numa variedade de legumes, folhas, grãos e carnes, cozidos numa panela grande, o suficiente para ficarem macios mas nunca desmanchados. Bom, nunca é exagero. Quando você faz uma panelada e fica comendo ao longo dos dias, uma hora as coisas desmancham, engrossando o caldo, e isso é ótimo.

Mas a idéia é que você possa "pescar" os legumes de dentro do caldo, e comer no prato, com muito azeite de oliva, sal, pimenta moida na hora. Trocar azeite por manteiga também é bom, só um pouco menos saudável. Tem quem goste de amassar tudo com o garfo e comer como se fosse um purê rústico de muitas coisas.

Uma vez experimentei a variação portuguesa e adorei! Tinha mais carne do que o habitual para mim, e era quase 100% carne de porco, lombo, paleta, essas coisas bem trogloditas. Tinha também um pirão de farinha de mandioca bem gostoso, coisa impensavel na versão espanhola/argentina. No trabajamos con pirón ni con fariña.

Minha mãe me ensinou: para o puchero ter seu sabor característico, é preciso colocar alguns elementos essenciais: salsão, milho e abóbora com sementes. Fora isso, tudo é bem vindo, principalmente batata, batata doce, folhas de repolho, cenoura, grão de bico, feijão branco... que mais? Linguiça, pancetta, pedaços de bacon, cubos de filé, qualquer carne pode entrar na festa.

Aqui no Brasil aproveito e acrescento ingredientes "regionais"... couve, inhame, cará. E ainda gosto de colocar cogumelos paris, o que dá um gosto especial, levemente defumado. Ah! Sempre uso uma carne como base, nem que seja só um pouquinho para dar um gosto no caldo. Músculo serve, levemente refogado antes de colocar os vegetais. Mas o que eu acho que funciona melhor é o ossobuco de vitela, pela sua leveza e sabor especial. A carne desmanchada com mostarda dijon ao mel dispensa comentários. Na casa Santa Luzia tem um excelente ossobuco de vitela (lá você acha a mostarda também, da famosa marca Maille).

O puchero, como todo prato tradicional, tem mil possibilidades. Cada um faz do seu jeito.
Meu jeito é assim: numa panela grande, forte e alta, coloco um pingo de óleo e refogo o ossobuco (ou músculo, ou pancetta, ou carne de sua preferência). Quando estiver levemente selado, acrescento os legumes inteiros, descascados, sem cortar! (Isto é muito importante). Claro, uma abóbora inteira é muito espaçosa, esta você pode cortar e deixar com casca. Um segredinho interessante é o caldo italiano granulado San Martino, sem glutamato monossódico nem conservantes. Coloco apenas uma colher de chá, que tem um efeito suave e perfumado. Se usar o caldo granulado, coloque menos sal. Normalmente uso sal marinho como tempero, apenas. Encho a panela com água mineral ou filtrada até cobrir os legumes, tampo e vou fazer outra coisa, fogo médio-baixo.

Uma hora e pouco mais tarde (é bom ir checando a consistência dos legumes, porque cada fogão tem seu temperamento), está pronto. Pesco os legumes e carnes. Como num prato fundo. Encho de azeite. Quem quiser, pode colocar uma pimentinha. Me embrulho no cobertor, vejo um filme, um programa banal, ou nada. Depende da programação.

Por excêntrico que possa parecer, gosto do caldo do puchero no café da manhã.

Sei que este prato é de inverno, não combina (teoricamente) com esta época úmida e quente. Mas é um bom quebra-galho, fácil de fazer (basicamente descascar coisas), e pode salvar sua vida. Já sarei de várias gripes graças a seu poder nutritivo. É comida de vó, de mãe, de bruxa, de frio, de criar crianças fortes.





PS: Puchero também é a giria que a gente usa quando alguem faz manha, fica choramingando ou fingindo que vai chorar, com o objetivo de seduzir, obter coisas ou simplesmente chamar a atenção. Isso é "hacer pucheros". Funciona!

sábado, 8 de dezembro de 2007

Praia com chuva

Barra do Sahy - São Paulo

Tem gente que odeia praia com chuva. Tem ataques de tédio, se irrita, xinga, quer adiantar o retorno à cidade. Admito que por muitos dias seguidos e se houver crianças no pacote, realmente pode ser difícil. Ainda tem o agravante das casas de praia terem uma tendência natural ao mofo. Nada seca, a roupa começa a ficar grudenta de umidade e maresia, o bikini fica 3 dias inalterado no varal, esquecemos de levar meias, essas chatices.

Mas eu, de modo geral, aceito bem os designios da mãe natureza. Estar fora de São Paulo já me deixa feliz. A paisagem me acalma. Eu tenho aquela relação de amor e ódio com a cidade que muitos devem compartilhar. Faço questão de sair sempre que possível. Morar em SP me fez apreciar como nunca antes o oxigênio de qualidade.

Tenho uma amiga que adora quando vai à montanha e chove, porque isso a desobriga de ir à cachoeira. Ela prefere ler um bom livro perto do fogão a lenha. Eu, na praia, aceito a chuva como àlibi para atividades como cozinhar e comer. Que melhor desculpa para se ocupar apenas em planejar a próxima refeição?

Neste dia de chuva e praia vazia (quinta-feira na Barra do Sahy), cozinhar estava fora de questão. O chalezinho que aluguei até tinha fogão e alguns utensílios. Mas por conta de um arquiteto equivocado, não havia suficientes janelas no local, e ficar dentro dele, com a tempestade lá fora, dava uma sensação de confinamento desagradável. O hotel é o Aldeia de Sahy, com ótima infra-estrutura, uma piscina gigante, sauna, sinuca, várias mordomias. Tem um ar de vila caiçara, com belo paisagismo. O erro está mesmo na arquitetura. Não entendo como passa pela cabeça de um arquiteto, num lugar tão privilegiado, repleto das belezas da mata atlântica, construir chalés grudados, sem janelas e com móveis de alvenaria. Mistérios como aquele dos restaurantes que investem em azeite de oliva ruim.

Triste Piscina
(os lugares turísticos, sem turistas, tem esse ar de abandono)


(de fato, como na foto, às vezes parava de chover, mas se você resolvesse ir à praia, começava imediatamente)


A solução foi sair para almoçar, passear de carro, ficar um pouco do lado de fora. Fui na Cantinetta, em Camburi, lugar que frequento há anos. Fora o barulho da lixadeira (que desligaram imediatamente quando me mostrei incomodada), o ambiente estava perfeito. Eis o que pedi:


Aperitivo: Mojitos (2). Feito com limão, club soda, rum importado, pouquissimo açucar, hortelã fresca e gotas de algo vermelho que talvez seja pimenta mas que em todo caso não alterou a bebida. O segundo (com mais limão) estava perfeito.

Entrada: Rolinhos de beringela grelhada, com recheio de cream cheese, tomate e manjericão, embebidos em azeite (bom), com torradinhas bem fininhas, que chegaram na mesa quentes. Uma delicia, duas doses.

Prato: Lasanha de abóbora hokaido, levemente gratinada. Maravilhosa! Cremosa, com uma massa bem leve e fina e cogumelos. Veio também uma salada de folhas variadas, crocante, bem fresca.

Sobremesa: Tablete de chocolate com amendoas, crocante, geladinho. Café Santo Grão (carioca), suave, quentinho.


(quando chove, o tempo esfria e o nosso corpo precisa de mais calorias para se mater aquecido)



Foi muito gostoso, e ainda fiquei lendo depois do almoço na mesinha rodeada de jardins e chuva. O livro? Alucinações Musicais, de Oliver sacks. Boa comida, sossego, tudo ótimo. E olha que eu achava que esse almoço era só uma introdução para o verdadeiro banquete que seria o jantar, no Manacá.

O jardim do Manacá é incrivel:



Só que o jantar no Manacá (um dos melhores restaurantes do litoral norte, que tem um ambiente deslumbrante e ótimo atendimento) não foi isso tudo. Já fui várias vezes ao longo dos ultimos anos e já fiquei mais emocionada. Nunca vou esquecer a primeira vez que comi o bacalhau com purê de batata doce e alho poró. Quis chorar. E os mexilhões no molho de vinho branco? Uma loucura. Mas nas ultimas duas vezes não fiquei tão tocada, fiquei vendo defeito nos pratos. Será que a qualidade mudou ou o meu paladar? Ou os dois? O linguado na manteiga trufada estava um pouco sem sal. O refogado de legumes à tailandesa do meu acompanhante não dizia nada, nem sob tortura. Não pedimos sobremesa nem café. Fazia sono. Chovia.

Chovia. Chovia Chovia.

Até que o sol saiu, na manhã seguinte, na hora de arrumar as coisas e voltar. Clássico. Mas deu para tomar um banho de mar glorioso, energizante e efetivo no combate às nhacas, com o sol das 7 horas fazendo um carinho e fixando o cálcio em nossos ossos. Sempre vale a pena sair de São Paulo, nunca me arrependo! A cidade tem uma força centrípeta que precisamos combater, se não ela nos engole.



Hotel Aldeia de Sahy
www.aldeiadesahy.com.br

Cantinetta (Camburi)
www.cantinetta.com.br

Manacá
www.restaurantemanaca.com.br

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Filé Mignon ao Gás Acabando

foto: rodrigo gaion


Cozinhar para 10 pessoas não é tarefa difícil, é só saber calcular as quantidades. O difícil é fazer uma comida boa e ainda conseguir ser uma pessoa integrada socialmente e não um ser alienado que fica na cozinha suando enquanto os outros tomam banho de piscina. Arquiteturas com cozinhas integradas ajudam. Mas quando se assume o comando das panelas, sempre há um pouco de solidão e alienação, é inevitável. Especialmente se você é uma pessoa capricornianamente centralizadora como eu.

Os amigos fingem que querem ajudar. Alguns querem mesmo. Eu aceitei que lavassem a salada, até por que não gosto dessa tarefa que enruga meus dedos e na qual sou totalmente incompetente, deixando passar insetos e bacterias em meio às folhas. Mas com exceção de tarefas desagradáveis ou lavagens de louça, quem cozinha não quer ajuda. Nem muitos palpites. A ordem das coisas, o tamanho do corte dos legumes, o tempo de cozimento, as quantidades, são decisões que só o cozinheiro acredita poder tomar, mais ninguém.

Esses momentos coletivos sempre tem também aquele pequeno stress, aquela pressão, aquela expectativa, aquela cobrança interna: o prato tem que ficar bom. Afinal, "ouvi dizer que você cozinha muito bem", "esse filé mignon é famoso" e comentários do gênero que a gente aceita com um sorriso de falsa modéstia enquanto chora (uma verdadeira faxina lacrimal) por conta da cebola.

Eu estava em Gonçalves, Minas Gerais, no lugar mais lindo do mundo e em boa companhia, e para não ter muito trabalho, quis deixar tudo encaminhado antes de todo mundo acordar (aproveitando meu relógio biológico de padeiro). Minha idéia começou pelos acompanhamentos: as famosas Batatas Natalie (receita parcialmente roubada das "batatas rústicas" da Lanchonete da Cidade). O segredo é cozinhar as batatas antes de assar. Assim elas ficam cremosas por dentro e crocantes por fora. Fiz com as pequenas, aquelas que normalmente são servidas frias, à vinagrete. Cortei em metades. Mas o tamanho tanto faz. Se forem grandes é legal cortar num tamanho parecido com gomos de laranja ou maiores, whatever. O essencial é cozinhar até ficarem moles (não muito moles) e sempre, sempre, com casca. Eu cozinhei lentamente, durante o café da manhã, no fogão a lenha. Espalhei na travessa e acrescentei alecrim fresco, sal grosso, alho com casca e MUITO azeite de oliva.

Este é o aspecto das Batatas Natalie, antes de irem pro forno (onde ficaram uma hora e meia).





Outro acompanhamento clássico das minhas carnes é a farofa/passoca de banana e cebolinha. Criação que surgiu num dia em que não tinhamos cebola. Consiste em muita cebolinha picada, refogada na manteiga. Banana cortadinha e farinha Deusa (segundo uma amiga, a farinha campeã em ebós realizados, portanto, indispensável). É preciso esmagar a mistura com a colher de pau até formar uma pasta farinácea. Às vezes tem que pôr mais manteiga e/ou azeite, porque se quer uma farofa molhada. Sal. Deixar no fogo baixissimo para ir formando uma crosta no fundo. Aos poucos, virar com a colher, até ficar com uma consistência entre pastosa e levemente queimada.

Surgiu outro acompanhamento, pelas mãos generosas de outro amigo, que veio a calhar, trazendo côr e fibra. Folhas de beterraba refogadas qual couve, com cebola picada e um segredinho que ele se recusou a contar. Ficou delicioso. Folhas roxas, crocantes, levemente apimentadas.

O filé era um pouco magro demais, era o tal miolo do filé mignon, carne light, excelente qualidade. Não tinha praticamente gordura. Mais tarde essa qualidade se tornou, do meu ponto de vista, o ponto fraco do prato. Como tempero, fiz pequenas incisões com a ponta da faca e enfiei dentes de alho inteiros em toda a peça. Reguei com azeite, espalhei orégano fresco, pimenta do reino, geléia de capim santo, e ao longo de toda a manhã, vinho do porto, que foi sendo absorvido de boa vontade pela carne.

As meninas antes de entrar na câmara dos infernos:




O almoço foi um sucesso, começando pela salada recém colhida, com uma beterraba sanguinolenta, cervejinhas geladas e muitas risadas. Mas após a salada o filé começou a demorar um pouco demais. Abri o forno depois de 30 minutos assando, e a carne estava com uma tonalidade cinza, cara de cozida. Começou minha decepção. Pensei "vai ficar cozido, sem gosto, ruim". Após mais 15 minutos (em que todos fingiam que a demora era natural e repetiam a salada), olhei de novo e tive que tomar uma decisão difícil: cortar a peça pela metade e verificar o ponto da carne. Por fora ela não me dizia nada! O ponto estava quase bom, mas tinha cor de burro quando foge.

Ai veio a constatação, ou melhor, as constatações: o gás estava acabando e a carne era magra demais. O calor não estava selando a carne e ela corria sérios riscos de ressecar. Minha solução desesperada foi untar as peças com a redução de vinho do porto que extrai do tempero e um pouco de manteiga e voltar pro forno, calor máximo, por mais 10 minutos. O prato foi salvo! Arrancou suspiros, todos repetiram. Fiquei feliz, mas no fundo não muito, olhei para a carne no meu prato com desconfiança, eu e ela sabiamos que algo não tinha dado certo, que esse assado podia ter ficado com um caráter muito mais orgiástico. Que isso sirva de lição: carne light nunca mais! é um contrasenso que não tem como dar certo, a não ser que se esteja doente. Verificar o gás antes de planejar um assado! Nunca servir a entrada antes de saber exatamente quanto tempo vai demorar o prato pincipal!

E aqui mostro como ficou o prato. Nada mal, na verdade.



Filé Mignon ao Gás Acabando, com Batatas Natalie, Passoca de Banana e Cebolinha

(Participação especial das Folhas de Beterraba qual Couve do Gaion)


quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Natureba pero no mucho


Rio de janeiro. Uma cidade que não entendo e que me dá um pouco de medo. Ou será ela que não me entende? Não sei. Não sei por quê. Não tem a ver com os clichês (que por ser clichês não são menos reais) da violência urbana, mas tem alguma coisa nos cariocas que não me deixa a vontade e que me dá uma pontinha de inveja. Talvez seja o sotaque. A non-chalance dos moleques de chinelo e moletom cheios de charme. Ou a geografia absurdamente bonita que emoldura a cidade.

Eu pensava nisso indo pro meu hotel na Barra, quando, passando pela Rocinha, o taxista me contou que existe na favela um serviço chamado Favela Tour. Os turistas (gringos) entram num jeep aberto e apreciam a miséria, o esgoto exposto, as ONGs e a alegria brasileira. Para terminar o passeio acontece a "encenação" (como distiguir encenação de realidade?) de um embate entre traficantes e policiais, cenas de ação estilo Cidade de Deus, com arma de verdade e tudo. Depois o carro devolve os clientes à Zona Sul de onde eles seguem para o Cristo. Terminou de me contar a historia quando chegamos na Barra. "Isso aqui é o fim do mundo".

Mas lá fui eu tocar num evento no grandioso Buffet Ribalta, na Barra da Tijuca. Um lugar bizarro, gigante, de gosto nada duvidoso: mau gosto mesmo. Uma premiação de padeiros de todo o Brasil. Uma mistura de engravatados, padeiros deslocados fantasiados de mestre cuca, mulheres elegantes, mulheres deselegantes. E eu, cantando fado, tocando jazz, fazendo tudo que não sei fazer. O Ribalta de dia foi um forno, abafado, com cheiro de esgoto. De noite, uma geladeira com cheiro de restaurante por quilo às 4 da tarde.


...


No dia seguinte, hoje, para me recuperar do jantar no evento (salgadinhos folhados oleosos e estranhos sabor bacon na entrada, penne ao molho de maizena requentado de prato principal e vinho ácido para acompanhar) e para fazer hora antes de ir pro aeroporto, fui comer num restaurante natural em Ipanema, perto da Rua Nascimento Silva 107, onde você, Vinicius, ensinava pra Elizete as "Canções do amor demais". O Rio é cheio dessas referências à era dourada da bossa nova. Só que antes de ir pro natureba, folheei um jornal local (adoro jornais locais) e vi uma noticia escabrosa: um famoso restaurante na zona sul, frequentado por Vinicius e atualmente pelo Chico Buarque estava servindo alimentos vencidos. Não tem poesia que salve um salame de 2003...

O dito natureba era o New Natural. Na porta uma placa dizendo "entreposto de produtos esotéricos" ou algo assim, estranhei um pouco, me perguntei se a comida entrava nessa classificação. Mas gostei quando entrei e vi as enormes prateleiras de madeira cheias de produtos interessantes misturadas ao ar medieval da arquitetura, com arcos de tijolo à vista. Me lembrou lugares decadentes de Paris onde a gente come mais ou menos, mas como se está em Paris... Descobri coisas inquietantes, como o Chá Branco, que se intitula "melhor do que o chá verde", pois combate radicais livres, traz disposição, longevidade, emagrece, mil coisas. Fiquei curiosa em saber se ele era branco mesmo. Também soube que o nome científico do Ginseng é Pfaffia Paniculata. Adorei esse nome, lembra empáfia e panificadora, ou o tiro que saiu pela paniculatra... enfim... Muitos produtos, muito interessantes.

Mas quando fui no buffet dar aquela olhada, não acreditei nos meus olhos! Vi muitos itens da culinaria natureba (soja, bardana, arroz cateto, refogado de abobrinha, etc) e numas chapas de ferro.... linguiças! frango à milanesa! anchovas assando ressequidas! Tudo que é proibido. Com exceção, naturebamente, da carne vermelha. Gostei da surpresa e me servi de uma linguicinha, arroz misturado com granola (que boa idéia!), batata doce cozida (que reguei com bastante azeite de oliva, este não muito bom).

E aproveito para abrir parênteses. (
Por quê muitos restaurantes se recusam a investir num bom azeite de oliva?
Não precisa ser chique, libanês, prensado a frio, exótico, aromatizado. Pode ser um Carbonell, Andorinha, Gallo, até uns nacionais bons existem. Qualquer um que tenha cheiro de oliva! Que economia burra! E isto é especialmente importante para os restaurantes naturais, afinal, que graça tem esses legumes todos sem um bom azeite? Hein, Alternativa - Casa do Natural, na Vila Madalena?

Agora vou fechar parênteses. )

Gostei da comida do New Natural. As coisas tinham gosto delas mesmas, por separado, e não o efeito mono-sabor-morno de alguns restaurantes com proposta natural. Além do mais, cruzei com uma das cozinheiras e ela estava impecável, sorrisão de dentes brancos, cara de gosto pelo que faz, bom humor.
E gostei de tudo ser orgânico, e as carnes magras.

RESTAURANTE NEW NATURAL
Rua Barão da Torre, 169 - Ipanema
Tel.: 2287-0301. De seg. a dom., das 8h às 21h.


...


Gosto de quem come o que gosta e não faz disso uma bandeira e não se incomoda quando a pessoa ao lado pede um bife ou uma coca-cola. Catequizadores gastronomicos são muito chatos! E essas campanhas dizendo "porcos são amigos, não são comida"? Eu acho que as pessoas que aderem a esse tipo de campanha estão subestimando os vegetais. Alfaces também são nossas amigas! E nossa comida.

Adoro fazer misturas 50% naturebas 50% trogloditas, como arroz integral com ovo caipira, puchero (cozido espanhol de legumes) com ossobuco de vitela, macarronada integral com linguiça e azeite trufado. Não sou fã de fritura. Escolho bons ingredientes. Tenho suficiente conexão com o meu corpo pra entender o que me faz bem e o que me dá trabalho. Mesmo assim às vezes saio da linha. Mas faço isso com consciência e depois volto. Esse é o meu conceito de "saudável". Equilibrio sem neura. Ou pelo menos tento.


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De volta a São Paulo, no trânsito, na paisagem cinza da 23 de maio, senti de novo aquela pontinha de inveja. Aqui não tem alimento pros olhos.

domingo, 25 de novembro de 2007

De tudo? Um pouco...

Como muito fora. Esse é um dos motivos pelos quais não tenho poupança.
Gasto mais com comida do que com roupa. Na verdade não gasto com roupa. Mas adoro gastar com comida. Invisto em momentos gastronômicos com um desprendimento que não me surpeende, porque sou filha do meu pai. Se ele tivesse cem reais pra viver um mês, gastaria oitenta em sushi no primeiro dia.

Mas acabo comendo quase sempre nos mesmos lugares, nos consagrados do meu paladar, naqueles em que já conheço o garçon, os pratos, as alterações que posso fazer sem que ninguém ache estranho. É boa essa intimidade. Um desses lugares é o Martin Fierro, um clássico da Vila Madalena. Um lugar que amo, principalmente para almoçar. Ótima comida, ambiente agradável, garçons atenciosos pero no mucho, perfeito.




No Martin Fierro, eu gosto de tudo. Peço um buen bife de chorizo, aberto (na Argentina se chama "mariposa"), ao ponto. Cuidado, o ponto do bife dos argentinos pode querer se comunicar com você. Batata assada. Salada primavera (com abacate em vez de manga). Empanadas. De carne. De espinafre com massa folhada. Galeto. Carré de cordeiro. Asado de tira (este uruguaio, ótimo). E o que mais me comove: bife a milanesa com purê de batatas. Eu dou uma garfada e me vejo naquela mesa gigante, embaixo da parreira, com 6 anos de idade, segurando garfo e faca na vertical e berrando "mi-la-ne-sa! mi-la-ne-sa!" em coro com meus irmãos. E o purê de batatas? Este é meio rústico, não cremoso, tem aquele perfume de nóz moscada, na medida. No final, café Astro ou chá de hortelã fresca, panqueca, almendrado, alfajor de maizena, pasta frola. Só alegrias.

...


Restaurante Maní





Foi num espirito de mudança que, semana passada, fui almoçar no Restaurante Maní, também em São Paulo. Tinha ouvido falar que era bom.

Na entrada tomei um susto. Um corredor que conseguia ser branco e escuro ao mesmo tempo. Nas paredes umas arvores magras pintadas a mão, e na ponta de seus galhos, fotografias e recortes de revista colados diretamente na parede. Fotos de celebridades como Michael Jackson, Elvis Presley, misturado com globais, celebridades brasileiras variadas, não lembro. Só lembro que aquilo me constrangeu um pouco. Em seguida se vê a cozinha, e dentro dela, algumas pessoas jovens, caras boas, chapeu da faculdade Anhembi Morumbi.

Ultrapassado o tenebroso corredor, cheguei num salão agradável, bem iluminado, com móveis de madeira. Ufa.

De entrada uma salada que dizia ter abacate. Gosto muito de abacate, sozinho, na salada, com limão e shoyu, tudo menos doce. Abacate doce é uma coisa estranha à qual ainda estou me acostumando. A salada tinha pouquissimo abacate mas era gostosa. Tinha uma placa crocante que dava uma textura interessante. Acrescentei bastante azeite. Dividi com a minha amiga, a porção era muito pequena, logo que começamos acabou.

Meu prato foi um cherne assado no forno com uma terrine de batatas, tomatinho cereja (preciso desistir de comê-los quentes) e cebola confit. O peixe era bem fresco e o forno deixou ele com uma consistência de peixe cozido e não grelhado como eu prefiro. Um pouco sem sal. A estrela do prato era a batata. Novamente, o azeite de oliva entrou em cena. O prato estava bom, mas não oferecia a experiência que justificaria o preço. O atendimento foi bom também. A sobremesa esqueci totalmente.

Um dia posso voltar pro Maní e continuar investigando esse cardápio, quem sabe? Enquanto isso, me garanto nos bons restaurantes de sempre.


MARTIN FIERRO
RUA ASPICUELTA, 683
VILA MADALENA
SAO PAULO - SP
FONE: (011) 3814-6747
www.martinfierro.com.br


MANÍ
JOAQUIM ANTUNES, 210
JARDIM PAULISTANO
SAO PAULO - SP
www.restaurantemani.com.br
FONE: (011) 3085-4148

Lástima que no sé cocinar

Uma das poucas coisas que redimem a minha mãe de suas falhas é o fato indiscutível de que ela cozinha muito bem. Não é só porque ela faz comida gostosa, mas pela incrivel capacidade que tem de transformar praticamente qualquer coisa em algo comestível e saboroso.

Em tempos de vacas magras, por exemplo, ela pegava uma batata, um pedaço de cebola, meio tomate, um ovo e um pouco de farinha de trigo e em poucos minutos saia da frigideira (de ferro, preta, grossa) um misto delicioso de soufflè com tortilla e omelete.

Muito cedo ela me ensinou coisas importantissimas para minha sobrevivência. Me ensinou a ler e escrever quando eu tinha quatro anos. Me levou pela mão até o Conservatório de Música, quanto tinha 8 anos. Me ensinou a cozinhar no dia em que parei de mamar. Me ensinou que na cozinha não tem necessariamente que "saber fazer". Tem regras muito simples sobre o cozimento dos alimentos e o resto é experimentação. Por isso até hoje me surpreendo com pessoas que dizem "não sei cozinhar". Não consigo entender. Acho falta de imaginação.

Claro, existem pratos específicos que requerem um método. Tem coisas que a gente tem que saber fazer para poder fazer. Mas o trivial, o básico para se comer bem, é muito simples.

Qualquer legume, por exemplo, levemente refogado e cozido em seu próprio vapor, fica delicioso. Qualquer coisa. Uma batata, uma beringela, uma cebola.

Desde que haja azeite de oliva, lógico. Não sei se a vida vale a pena sem ele.

É o caso do ratatouille, uma receita que apesar do nome pomposo, é muito simples e rústica.

Eu faço assim (aprendi com a Neca): cebola, beringela, abobrinha, tomate e cogumelo. Cubos do tamanho que você quiser. Óleo (pouco) numa panela boa, deixa esquentar. Vai acrescentando os legumes aos poucos. Quando estiver todo mundo na panela, sal. Tampa. Fogo baixo. Se a panela for boa dá até pra tomar banho enquanto fica pronto. Fica pronto quando você quiser. Firme é bom, desmanchado também. Pode comer de colher numa cumbuca ou usar de guarnição pra outros pratos.

badejo assado + ratatouille + arroz integral

desfocado mas muito saboroso