sexta-feira, 1 de abril de 2011

Déjà Vu

Aposto que isso não acontece só comigo. Toda vez que viajo, especialmente em outros países, encontro clones dos meus amigos por ai. É como se os padrões da natureza tivessem um número limitado de combinações e se repetissem. Bom, sei que isso acontece mesmo, basta olhar para orquídeas e mexilhões. Mas não se limita às fisionomias, é também um jeito de andar, um corte de cabelo, uma calça, o tom de uma risada. Na minha última viagem para NY vi vários amigos por ai: a Tata andando de costas com seu violão, o Dudu numa palestra com sua calça roxa, a Janice no aeroporto esperando um voo atrasado concentradíssima no seu lap-top e a Cecilia fazendo compras na Quinta Avenida. Mas o cúmulo mesmo foi há muitos anos em Bariloche, quando vi eu mesma, passando num taxi, com meu cachecol azul e um certo ar melancólico.

Nessa mesma viagem recente, outro déjà vu, o clone de um sabor. Foi na Katz Deli, uma lanchonete judaica bem tradicional (existe desde 1888!) que fica no East Village. Fui parar lá com a ajuda do meu guia Gallimard (Publifolha), que amo, porque me leva a ótimos restaurantes a bom preço, e ainda separados por bairro. Assim fui ao ótimo (um pouco pesado) indiano Pongal e ao incrível Joe' Shangai em China Town, numa noite tenebrosa de frio em que tudo parecia fechado e enormes pilhas de lixo se acumulavam nas ruas, quase tirando minha fome. Também teve os maravilhosos omeletes da Sarabeth (numa viagem anterior) e a excelente tratoria Max Soha perto da Columbia University (inesquecível fusilli caseiro com ragu de cogumelos ao vinho Brunello, prato que infelizmente não pedi mas belisquei graças à generosidade alheia).



Latkes, cream soda, pickles, hot dog, sanduíche de bastrame, batata frita e knishes.


Mas voltando à Katz Deli. Pedi sopa de matzo balls e knishe (uma bola de purê de batata doce, muito boa). Meus amigos comeram hot-dog (ótimo, com repolho agridoce e pão torradinho), latkes de batata com sour cream e molho de maçã e sanduíche de pastrami caseiro (o clássico da casa, obsceno na quantidade de carne), e todos dividimos ótimas batatas fritas de formato grosseiro. Mas foi ao morder o sanduíche de pastrami que tive o déjà vu. Não foi aquela sensação de comer algo conhecido, mas um sabor que me remeteu a uma lembrança remota, inalcançável e que talvez pertencesse a outra pessoa ou a outro tempo. De fato, o sanduíche estava muito bom. Pão de centeio, muito macio e leve, e a carne, longe de parecer um embutido, desmanchava e tinha um tempero especial, de bordas escuras. Fiquei o resto do dia tentando localizar essa lembrança sem sucesso, até escovar os dentes e esquecer.



Sarmiento y Uriburu.


Então lembrei, no tédio do avião voltando pra casa. Foi em 1985, na Calle Sarmiento em Buenos Aires. Eu morava do lado da escola (porta com porta) e em frente ao clube Hebraica, que todos os meus amigos frequentavam e eu também passei a frequentar, mas de penetra. Um belo dia me fingi de sócia e entrei, ninguém me barrou. E assim fui usando o clube durante um ano sem nunca ninguém perceber e sem jamais contar pro meu pai. Fiz aula de informática, nadei na piscina, joguei basquete e fiz travessuras no terraço do ultimo andar de onde se via a janela do meu apartamento. Tinha dez anos, fiz isso pela aventura, na inocência e com a cumplicidade dos meus amigos sócios, hoje não teria coragem. Foi nessa época, na lanchonete ao lado do clube onde comia com meu pai o maravilhoso pletzalej com pastrami e pepino, acompanhado de refrigerante Mirinda sabor laranja. Foi esse sabor, o mesmo, a mesma sensação, o cheiro e a textura. Não mais um déjà vu: uma lembrança esquecida durante 25 anos.